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DRAUZIO VARELLA
As vantagens do sexo
A vida na Terra surgiu e se
manteve por muito tempo
na mais completa ausência de sexo. Durante 3 bilhões de anos, todos os seres vivos eram unicelulares, isto é, formados por uma única célula que, para se dividir, duplica seus genes por conta própria
e dá origem a duas células-filhas,
idênticas à mãe. Há 1 bilhão de
anos, sem entendermos por que,
começaram a surgir machos e fêmeas, e a reprodução sexual se
disseminou por quase todos os organismos multicelulares.
Quando comparamos as vantagens e as desvantagens dos dois tipos de reprodução, fica difícil
compreender a razão do sucesso
da opção sexual como estratégia
reprodutiva em tantas espécies.
Teoricamente a divisão assexuada consome menos energia, porque parte de um indivíduo já
adaptado ao meio e forma dois
outros idênticos a ele, que darão
origem a quatro, oito, dezesseis...
Na ausência de sexo, não ocorre
desperdício. Cada indivíduo formado é reprodutivamente auto-suficiente.
Na presença dele, ao contrário,
o consumo energético é muito
maior porque é preciso produzir
machos, criaturas quase inúteis,
criadas e alimentadas com a única função de atingir a maturidade sexual para servirem de doadores dos gametas necessários para fertilizar as fêmeas.
Nos últimos anos, os biólogos
evolucionistas procuram explicar
esse paradoxo: apesar do alto custo energético, por que razão o sexo triunfou dessa maneira?
Uma das hipóteses mais aceitas
é conhecida com o nome de "Rainha Vermelha". Segundo ela, a
vida na Terra está longe de acontecer num paraíso: todos os seres
vivos são hospedeiros de um
grande número de parasitas. Como provoca a recombinação de
genes maternos e paternos, o sexo
favorece o aparecimento de combinações raras de genes que podem conferir resistência aos parasitas que vivem no mesmo ambiente e, portanto, maior probabilidade de sobreviver às doenças
causadas por eles.
O instinto de sobrevivência, ao
mesmo tempo, obriga os próprios
parasitas a evoluir para se adaptarem aos hospedeiros resistentes
que, depois de algumas gerações,
se tornaram majoritários. Quanto mais rápido ocorrerem as mutações do hospedeiro, mais depressa terão de evoluir os parasitas para se adaptarem. Nesse frenesi de mutações, algumas serão
inúteis e desaparecerão com a
morte de seus portadores, outras
oferecerão vantagens reprodutivas que serão incorporadas ao genoma dos sobreviventes. Esse processo de adaptação dinâmica da
espécie parasita à hospedeira é
chamado de co-evolução.
Como as mutações em nosso genoma ocorrem independentemente de qualquer intenção premeditada, muitas delas são deletérias e até incompatíveis com a
vida. Na reprodução assexuada,
como os filhos são meras cópias
de seu progenitor, as mutações
desvantajosas são herdadas em
sua totalidade e ainda acrescidas
de outras que irão surgir na interação com o ambiente. O resultado é o acúmulo de indivíduos assexuados com chance cada vez
menor de sobrevivência.
Nos organismos sexuados, a fertilização do óvulo recombina
aleatoriamente os genes do pai e
da mãe, ampliando o repertório
genético dos descendentes. Quanto mais extensa a diversidade de
genes herdados, maior a versatilidade do indivíduo na luta pela
preservação da vida. Diante das
pressões ecológicas que o meio
impõe, os organismos reagirão de
acordo com os recursos e a plasticidade do genoma que receberam
de seus pais. Fatalmente, alguns
ganharão e outros sairão perdendo; os vencedores levarão vantagem reprodutiva e deixarão mais
descendentes, os perdedores terão
seus genes extintos do "pool" genético das gerações futuras.
A seleção natural privilegia o
indivíduo. Não tem a menor consideração pela espécie à qual ele
pertence.
Se entre os 100 mil habitantes de
uma ilha isolada surgir uma epidemia terrível que provoque a
morte de 99,9% das pessoas, por
exemplo, os genes das cem que sobreviverem passarão a constituir
o "pool" genético total disponível.
Como consequência, seus genes
estarão muito mais presentes nas
gerações futuras do que estariam
se seus conterrâneos tivessem
continuado vivos. Dessa maneira,
uma epidemia contrária aos interesses reprodutivos da maioria esmagadora dos que viviam na ilha
é capaz de favorecer cegamente os
genes da minoria resistente a ela.
A natureza é impiedosa. Para
ela, o destino das espécies é desprovido de significado. Há 65 milhões de anos, os dinossauros, senhores absolutos da Terra por
quase 200 milhões de anos, desapareceram misteriosamente. As
forças de seleção natural que
atuaram naquele momento não
demonstraram a menor condescendência pelo destino deles. Sorte nossa! Enquanto eles andavam
e voavam por aqui, os mamíferos
não passavam de um pequeno
grupo de roedores noturnos assustados em suas tocas. Não houvessem sido extintos, provavelmente não estaríamos nós aqui
para contar a história deles.
Na espécie humana, calcula-se
que existam, em média, pelo menos seis mutações deletérias em
cada criança que nasce. O ato sexual foi a forma de reprodução
que a seleção natural privilegiou
para diminuir a probabilidade de
que essas mutações sejam transmitidas e se acumulem nos genomas de nossos filhos.
Como diz o biólogo evolucionista canadense Graham Bell, da
Universidade McGill: "Algo tão
complexo, oneroso e trabalhoso
como a sexualidade só teria persistido até hoje por realizar alguma função muito importante".
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