São Paulo, sábado, 02 de novembro de 2002

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Saem dois trabalhos inéditos que reforçam o valor do teórico para as ciências humanas

Novas estruturas para Barthes

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

A impressionante atualidade de Roland Barthes (1915-1980) será confirmada nos próximos dias na França com o lançamento de dois escritos inéditos do ensaísta: "Como Viver Junto" (Comment Vivre Ensemble) e "O Neutro" (Le Neutre). Pouco do que se publicou no país nos últimos dois anos no campo das ciências humanas e da crítica literária tem tanta importância quanto essas obras.
Editados pela Seuil, os livros chegam às livrarias na semana que vem. Eles são as primeiras manifestações em homenagem a Barthes que ocorrerão em novembro na França e vão culminar em um grande evento multimídia no Centro Georges Pompidou (Beaubourg), a partir do próximo dia 27.
Os dois livros são compostos das notas de dois cursos que Barthes deu entre 1977 e 1978 no Collège de France, a célebre instituição de ensino parisiense. A reprodução oral das aulas também será lançada em CD, em dois álbuns diferentes, com um total de 35 horas de gravação.
A Seuil preparou ainda uma nova edição, em formato chamado de "semibolso", das obras completas do ensaísta, que sairão em cinco volumes, trazendo outros escritos inéditos em livro.
A edição brasileira de "Viver Junto" e "O Neutro" já está garantida. Os dois livros serão publicados simultaneamente no segundo semestre de 2003, pela Martins Fontes, sob a supervisão da ensaísta Leyla Perrone-Moisés, que foi amiga e discípula de Barthes.
A exposição do Beaubourg vai apresentar o pensamento e a vida de Barthes recorrendo a obras de artes plásticas, manuscritos, arquivos sonoros, objetos e documentos visuais inéditos. A mostra será distribuída em mais de dez salas, com trabalhos de Cy Twombly, Louise Bourgeois, Arcimboldo, Mondrian etc.
Roland Barthes deixou um legado valiosíssimo ao pensamento do século 20, sobretudo no campo da crítica literária e estética e na análise dos discursos e mitos culturais.
Em sua época, era um superstar do pensamento francês. A frequência a seus cursos no Collège de France, cujas aulas são abertas ao público, foi tão grande, que a instituição teve que colocar autofalantes em salas anexas.
"Era um acontecimento mundano e midiático", conta Perrone-Moisés. "Perguntei a Barthes o que estava achando da experiência. Ele me disse, angustiado: "antes eu tinha ouvintes, no Collège eu tenho um público. Não sei para quem estou falando'".
Os dois cursos são fundamentais. "Como Viver Junto" é uma reflexão sobre os modos de tomar distância do coletivo, do gregário, para constituir uma dieta de vida baseada na solidão ou em pequenos grupos. Parece que Barthes está de antemão respondendo, em nome da liberdade, a uma época futura (a nossa), que veria expandir a solidão deprimida, a vigilância visual e os agrupamentos "big brother".
"O Neutro" é a reivindicação do status do incerto, esta parte oprimida na sociedade, que sempre exige que se tome partido", diz Perrone-Moisés, que prepara um ensaio sobre os inéditos para o caderno Mais!, da Folha.
A ensaísta ressalta a importância das reedições e a atualidade de Barthes: "Ele era extremamente atento ao poder autoritário e falseador das linguagens. Para ele, a única forma de linguagem que escapava desse poder era a literatura, que consegue manter o sentido em suspenso. A literatura é o que combate o excesso de sentido que desemboca no não-sentido da informação atual".


COMMENT VIVRE ENSEMBLE e LE NEUTRE - Autor: Roland Barthes. Editora: Seuil. Preço: 22 euros, cada volume (256 págs. e 272 págs., respectivamente).




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