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Brasil caminha para o penta em pacote econômico
FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha
²
O novo pacote econômico me
pegou no meio da leitura de
uma trilogia de Manuel Castells sobre a era da informação.
Meu interesse não se resumia
aos efeitos econômicos da revolução digital, mas também à
questão da identidade, que estudo em outro nível nas obras
de um filósofo que merecia ser
traduzido em português, Charles Taylor.
Quando o pacote surgiu, deixei o livro de Castells de lado,
um pouco injustamente. Ele
menciona esse movimento meio
recorrente de euforia consumista seguida de um aperto econômico, como houve na Espanha
em 92 e depois no México e na
Argentina.
Aqui não só conhecemos essa
história como a nossa memória
de planos econômicos talvez seja uma das mais ricas do mundo. Vendo o ministro Malan falar na televisão, lembrei-me de
outras faces: Funaro, Bresser,
Zélia, todos eles nos chamando
ao sacrifício e nos prometendo
um país organizado e estável
no final do túnel.
Se a memória não me falha, o
Plano Cruzado foi reformado
logo depois das eleições de 86,
depois de uma retumbante vitória eleitoral do PMDB. Eu repousava em Porto Seguro, derrotado nas urnas, e a inflação
que nos preocupava no momento era a de mosquitos. Minha filha era uma menininha e
gostava de seguir os funcionários da pousada Casa Azul que
dedetizavam todos os cômodos
antes do anoitecer.
Comíamos um delicioso mamão do sul da Bahia e tomávamos água-de-coco. Era uma
pausa necessária para recobrar
as forças. Não para voltar à luta política, mas para administrar a ansiedade dos credores
de inúmeras continhas que
aparecem depois das eleições,
principalmente aquelas que
aparecem depois que perdemos.
O Plano Collor me pegou de
calça na mão. Zélia dizia que
não precisávamos nos preocupar, porque todos teriam direito a 50 cruzados. Mas e quem
não tinha 50 cruzados, a quem
recorrer se todos subitamente
ficaram pobres?
Foi um momento de suprema
dureza, semelhante a outros vividos fora do Brasil, com a diferença de que em todos os casos
havia gente com dinheiro em
volta de você. Depois do Plano
Collor, estavam todos duros ou,
pelo menos, com uma excelente
razão para proclamar sua dureza.
A capacidade de sobreviver ao
longo desses planos nos dá uma
sensação de que acabaremos
saindo deles. Nossa crise final
como indivíduos está parecendo a crise final do capitalismo:
sempre anunciada, sempre
adiada para um próximo momento. No entanto, olhando
para trás vemos que muitos foram atingidos em cheio, sobretudo pelo Plano Collor, particularmente cruel. Gente que morreu de aflição, que enlouqueceu, que deixou de se operar,
que perdeu as economias conquistadas com trabalho duro
-a galeria de horrores se estendia ao penteado da ministra, falando horas na televisão.
O primeiro plano que tive a
oportunidade de examinar com
modesto poder de influência foi
apenas um esboço de plano:
aquelas 51 medidas destinadas
a atenuar o impacto da crise
asiática.
Foi exatamente ali que percebi como o raciocínio econômico
precisava de múltiplos interlocutores. Muitas medidas, como
as que cortavam ajuda a portadores de deficiência, entravam
em choque direto com a política
de direitos humanos. Outras,
como a alta taxa de embarque
nos aeroportos, potencialmente
poderiam representar o contrário do que almejavam.
Foi ali também que percebi
como todos nós, de uma certa
forma, avançamos no sentido
de dar mais importância ao estudo da economia, de tal forma
que quase todo mundo hoje tem
uma certa idéia de onde se deve
cortar, quem deve pagar a conta etc.
É um tema recorrente -uma
conta a pagar. E a conta vem
sempre depois das eleições. Os
vencidos se preocupam em pagar a própria conta; os vencedores em distribuí-la da maneira que julgam mais justa entre
todos os brasileiros.
Sem desmerecer as qualidades
singulares do Plano Real, há
muitos elementos comuns no
processo político contemporâneo. A bolha de consumo vai se
enchendo até o momento das
eleições. Todos sabem o que
não dura, que medidas restritivas virão. Mas os eleitores se
preocupam primeiro em gratificar quem lhes propiciou esse
aumento de bens materiais e
serviços. A palavra estabilidade, ou qualquer outra, só tem
eficácia eleitoral se for sentida,
como tem sido, como a garantia
de mais frango na mesa, mais
iogurte, mais carros na garagem, mais compras no exterior.
O faz-de-conta só acaba depois do último voto apurado.
Mas não é um processo em
que o povo é simplesmente enganado. A maioria foi informada de que depois das eleições viria o aperto. Como se o modelo
do Carnaval fosse aplicado aos
governos e a Quarta-Feira de
Cinzas correspondesse ao dia do
plano.
Deve haver muitas possibilidades de romper com essa lógica. Acho que ela é muito forte
porque reproduz com muita fidelidade os comportamentos
individuais. Em nossas vidas
particulares, oscilamos entre
bolhas de consumo e apertos sazonais. Talvez nasça daí a tolerância com um comportamento
similar dos governos.
Os mais pobres sofrem muito.
O único consolo são os políticos
derrotados. Saem da campanha
com as ilusões estilhaçadas, credores cercando sua casa. E na
TV só lhes resta o espetáculo de
ver o vencedor explicando que é
preciso apertar o cinto. Nesse
faz-de-conta, as crises são relâmpagos em céu azul que nos
atingem sempre na primeira semana de novembro.
Na verdade, há um outro consolo que eu não mencionei: as
próximas eleições, sobretudo
antes de encerrada a contagem
de votos.
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