São Paulo, Quinta-feira, 02 de Dezembro de 1999


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CINEMA - FESTIVAIS
Brasília opta (com acerto) pelo óbvio

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

O júri do 32º Festival de Cinema de Brasília, encerrado na terça-feira, não tentou fugir ao óbvio e deu os prêmios principais a filmes que obviamente se destacaram da média: "Santo Forte", de Eduardo Coutinho, exibido na segunda-feira (e atualmente em cartaz em São Paulo), e "São Jerônimo", de Júlio Bressane.
O primeiro ganhou como melhor filme; o segundo, como melhor direção. Poderia ser invertido, poderiam ter dividido os dois prêmios. Não havia muita escolha, tão clara era a percepção de sua maior solidez em relação aos demais concorrentes.
O júri também foi sensato ao dar um prêmio especial a "Hans Staden". Filmar a história do alemão quase devorado pelos tupinambás no século 16 é uma proposta ambiciosa, de que a produção dá conta em termos de espetáculo. Mas o júri poderia muito bem ter evitado a justificação ridícula ao prêmio: "pela excelência da realização".
Ou, se acha isso sinceramente, devia ter publicado junto um "paper" explicando o que vem a ser isso. Talvez um selo de qualidade, garantindo que o filme está de acordo com as normas da "qualidade brasileira". Nesse caso, não se vê muito bem por que "O Tronco", de João Batista de Andrade, ou "Gêmeas", de Andrucha Waddington, também não ganharam o mesmo aval.
Tanto "Hans Staden" como "O Tronco" têm virtudes técnicas inquestionáveis e padecem de problemas de concepção, que os levam a uma relativa perda de interesse após o primeiro terço de exibição. Também não se pode negar a "excelência" de "Gêmeas" -embora Waddington se situe bem mais na tradição do filme publicitário do que na do cinema.
Se optou por uma solução radical no prêmio de roteiro (dado a "Santo Forte", um documentário), o júri fraquejou clamorosamente ao dar uma menção honrosa a "Milagre em Juazeiro", pela "inventiva articulação entre documentário e ficção". Na verdade, trata-se de um filme duplamente populista, na ficção e no documentário, antiquado em ambos os registros, uma espécie de anti-Glauber, em que crenças populares, em vez de discutidas como sintomas de atraso e miséria, são antes de tudo exaltadas.
São deslizes aceitáveis, e pode-se dizer que o júri acertou no atacado e fraquejou no varejo. Se existe uma injustiça clara a destacar, está no fato de "Cruz e Souza", de Sylvio Back, ter saído de mãos abanando. Entre os demais prêmios, o menos contestável é, sem dúvida, o de melhor atriz. Fernanda Torres está formidável do duplo papel de "Gêmeas".
Vale, por fim, chamar a atenção para "Senta a Pua!", documentário de Erik de Castro apresentado na segunda-feira, que tem o mérito inegável de resgatar a história dos aviadores brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial. É uma pena que Castro opte por um documentário tipo TV, retalhe os depoimentos dos veteranos, disperse o seu material de base e conte confusamente (em tom de exaltação) sua história.


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