São Paulo, quarta-feira, 03 de janeiro de 2001

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Para Garcia, o mercado não pode pautar a cultura

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 59 anos, o historiador Marco Aurélio Garcia acredita que assumir o cargo de secretário da Cultura de São Paulo seja a chance de colocar em prática idéias que defendeu a vida toda.
Pretende mudar radicalmente o caminho da política cultural na cidade. Para Garcia, não se pode delegar exclusivamente à iniciativa privada o fomento à produção, não é suficiente patrocinar eventos e é preciso estimular a inclusão social, valorizando diferentes manifestações de cultura.
O secretário mostrou que tem disposição para se integrar ao gosto popular. Disse que ouviu um CD do rapper Mano Brown e gostou e, no final da entrevista, no sábado, confessou: "Sabe por que não quis marcar a entrevista à tarde? Porque queria ver a final da Copa João Havelange". Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - Uma política que dê espaço a hip hop, pagode e duplas sertanejas não será contraditória com a sua trajetória intelectual?
Marco Aurélio Garcia -
Não. Recentemente, ouvi um disco do Mano Brown e achei excelente. Foi uma surpresa.

Folha - O hip hop sempre foi muito elogiado pela prefeita. O senhor fará uma gestão para os manos?
Garcia -
Se os manos quiserem me ajudar, ficarei extremamente satisfeito. Eles são um exemplo de boa produção cultural a serviço da cidadania. Muita gente quando ouvir Mozart ou ópera vai gostar. Da mesma forma, é possível que muitos tenham preconceito em relação aos manos porque nunca ouviram a música.

Folha - O sr. teme reação negativa de possíveis patrocinadores?
Garcia -
Um grande drama de nosso país, desde que as leis de incentivo foram aprovadas, é que se insinuou perigosamente o critério de mercado para a produção cultural. Ela não pode ser submetida a critérios de mercado. Evidentemente, se coloco um cantor nas rádios o tempo todo, as pessoas vão acabar gostando. E não gostarão de outras coisas porque não ouviram. Oswald de Andrade já dizia que temos de servir biscoito fino ao povo. As pessoas podem gostar de Chitãozinho e Xororó, Ivete Sangalo, Lenine, mas é importante que essa decisão não tenha sido imposta a eles.

Folha - Sua idéia é trabalhar mais com incentivo direto da prefeitura e menos com a iniciativa privada?
Garcia -
Não vamos abandonar os incentivos da iniciativa privada. Mas vamos procurar, em alguns casos, convencer setores de que é importante financiar outros tipos de atividade além daquelas que têm mercado. Mas a secretaria tem de ter mais dinheiro para fazer investimento direto.

Folha - O que achou do orçamento aprovado para a cultura?
Garcia -
Ele é ruim, mas não foi dos piores. Tenho a impressão de que a Marta poderá ampliar esse valor. Mas nós temos uma margem muito pequena de remanejamento, e a prefeitura vai se ver confrontada com demandas muito mais urgentes do que a cultura. Para 2002, estou convencido de que poderemos mudar o perfil econômico da cidade, com mais investimento para a cultura.

Folha - Artistas e intelectuais têm se mobilizado contra a política que patrocina eventos e se preocupa pouco com o desenvolvimento contínuo da produção cultural...
Garcia -
Eventos têm de ser consequência de alguma coisa. Evento pelo evento não tem sentido. Aí não seria Secretaria de Cultura, seria de Entretenimento. A cultura pode eventualmente assumir uma dimensão de entretenimento, e é até bom que assuma. Mas uma política cultural tem de ser uma forma pela qual os cidadãos constróem uma identidade.

Folha - A inclusão da periferia no circuito cultural é uma de suas prioridades. Como será isso?
Garcia -
Uma maneira será a socialização dos bens culturais. Queremos que mais pessoas possam ir ao teatro, ouvir música, ter contato com literatura. Outra maneira é a valorização da produção localizada. Temos o pessoal do rap, samba, música nordestina, grafiteiros, uma infinidade de atividades que vivem isoladas e não encontram meios de expressão. Vamos tentar, pelo menos para a maioria, encontrar uma maneira mais adequada de expressão. Isso pode significar que nós venhamos, por exemplo, a favorecer que muitos desses cantores, grupos musicais tenham a possibilidade de gravar um disco.

Folha - De que maneira? Trabalhando com os centros culturais?
Garcia -
Uma idéia é que alguns equipamentos culturais de peso possam estabelecer postos avançados. Eu estava conversando com o Carlos Augusto Calil, que irá dirigir o Centro Cultural São Paulo, para ver a possibilidade de o centro extravasar sua base física, criando pontos para os quais possa irradiar criatividade.

Folha - Quais são seus planos para o cinema? Pretende investir no projeto da SP Filmes?
Garcia -
Quero antes estudar essa questão. Mas batalharemos para formar um público maior para o cinema, até para estimular uma diversidade maior de produção.

Folha - O que o paulistano pode esperar deste primeiro ano?
Garcia -
Temos algumas prioridades possíveis de realizar. Uma é o que estou chamando de Colégio de São Paulo. A idéia é fazer da biblioteca Mário de Andrade um pólo de debates, uma espécie de universidade aberta.


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