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Para Garcia, o mercado não pode pautar a cultura
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Aos 59 anos, o historiador Marco Aurélio Garcia acredita que assumir o cargo de secretário da
Cultura de São Paulo seja a chance de colocar em prática idéias
que defendeu a vida toda.
Pretende mudar radicalmente o
caminho da política cultural na cidade. Para Garcia, não se pode delegar exclusivamente à iniciativa
privada o fomento à produção,
não é suficiente patrocinar eventos e é preciso estimular a inclusão social, valorizando diferentes
manifestações de cultura.
O secretário mostrou que tem
disposição para se integrar ao
gosto popular. Disse que ouviu
um CD do rapper Mano Brown e
gostou e, no final da entrevista, no
sábado, confessou: "Sabe por que
não quis marcar a entrevista à tarde? Porque queria ver a final da
Copa João Havelange". Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Folha - Uma política que dê espaço a hip hop, pagode e duplas sertanejas não será contraditória com
a sua trajetória intelectual?
Marco Aurélio Garcia - Não. Recentemente, ouvi um disco do
Mano Brown e achei excelente.
Foi uma surpresa.
Folha - O hip hop sempre foi muito elogiado pela prefeita. O senhor
fará uma gestão para os manos?
Garcia - Se os manos quiserem
me ajudar, ficarei extremamente
satisfeito. Eles são um exemplo de
boa produção cultural a serviço
da cidadania. Muita gente quando
ouvir Mozart ou ópera vai gostar.
Da mesma forma, é possível que
muitos tenham preconceito em
relação aos manos porque nunca
ouviram a música.
Folha - O sr. teme reação negativa de possíveis patrocinadores?
Garcia - Um grande drama de
nosso país, desde que as leis de incentivo foram aprovadas, é que se
insinuou perigosamente o critério
de mercado para a produção cultural. Ela não pode ser submetida
a critérios de mercado. Evidentemente, se coloco um cantor nas
rádios o tempo todo, as pessoas
vão acabar gostando. E não gostarão de outras coisas porque não
ouviram. Oswald de Andrade já
dizia que temos de servir biscoito
fino ao povo. As pessoas podem
gostar de Chitãozinho e Xororó,
Ivete Sangalo, Lenine, mas é importante que essa decisão não tenha sido imposta a eles.
Folha - Sua idéia é trabalhar mais
com incentivo direto da prefeitura
e menos com a iniciativa privada?
Garcia - Não vamos abandonar
os incentivos da iniciativa privada. Mas vamos procurar, em alguns casos, convencer setores de
que é importante financiar outros
tipos de atividade além daquelas
que têm mercado. Mas a secretaria tem de ter mais dinheiro para
fazer investimento direto.
Folha - O que achou do orçamento aprovado para a cultura?
Garcia - Ele é ruim, mas não foi
dos piores. Tenho a impressão de
que a Marta poderá ampliar esse
valor. Mas nós temos uma margem muito pequena de remanejamento, e a prefeitura vai se ver
confrontada com demandas muito mais urgentes do que a cultura.
Para 2002, estou convencido de
que poderemos mudar o perfil
econômico da cidade, com mais
investimento para a cultura.
Folha - Artistas e intelectuais têm
se mobilizado contra a política que
patrocina eventos e se preocupa
pouco com o desenvolvimento contínuo da produção cultural...
Garcia - Eventos têm de ser consequência de alguma coisa. Evento pelo evento não tem sentido. Aí
não seria Secretaria de Cultura,
seria de Entretenimento. A cultura pode eventualmente assumir
uma dimensão de entretenimento, e é até bom que assuma. Mas
uma política cultural tem de ser
uma forma pela qual os cidadãos
constróem uma identidade.
Folha - A inclusão da periferia no
circuito cultural é uma de suas
prioridades. Como será isso?
Garcia - Uma maneira será a socialização dos bens culturais.
Queremos que mais pessoas possam ir ao teatro, ouvir música, ter
contato com literatura. Outra maneira é a valorização da produção
localizada. Temos o pessoal do
rap, samba, música nordestina,
grafiteiros, uma infinidade de atividades que vivem isoladas e não
encontram meios de expressão.
Vamos tentar, pelo menos para a
maioria, encontrar uma maneira
mais adequada de expressão. Isso
pode significar que nós venhamos, por exemplo, a favorecer
que muitos desses cantores, grupos musicais tenham a possibilidade de gravar um disco.
Folha - De que maneira? Trabalhando com os centros culturais?
Garcia - Uma idéia é que alguns
equipamentos culturais de peso
possam estabelecer postos avançados. Eu estava conversando
com o Carlos Augusto Calil, que
irá dirigir o Centro Cultural São
Paulo, para ver a possibilidade de
o centro extravasar sua base física,
criando pontos para os quais possa irradiar criatividade.
Folha - Quais são seus planos para o cinema? Pretende investir no
projeto da SP Filmes?
Garcia - Quero antes estudar essa questão. Mas batalharemos para formar um público maior para
o cinema, até para estimular uma
diversidade maior de produção.
Folha - O que o paulistano pode
esperar deste primeiro ano?
Garcia - Temos algumas prioridades possíveis de realizar. Uma é
o que estou chamando de Colégio
de São Paulo. A idéia é fazer da biblioteca Mário de Andrade um
pólo de debates, uma espécie de
universidade aberta.
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