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DANÇA
Coreógrafo francês, com peças em cartaz em vários teatros de seu país, estréia este mês "The Show Must Go On"
Não quero dominar a platéia, não a seduzo, afirma Jérôme Bel
INÊS BOGÉA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Descoberto no Théâtre de la
Bastille, faz cinco anos, o nome de
Jérôme Bel está hoje incluído nas
temporadas mais prestigiosas da
dança contemporânea.
Programado para a abertura da
temporada do Centro Pompidou
e tendo se apresentando depois
no C.N.D. (Centro Nacional de
Dança) com "Nom Donné par
l'Auteur" (1994, sua primeira coreografia), ele está também em
cartaz, em teatros diferentes da
França, até fevereiro, com três outros espetáculos. E este mês estréia uma nova coreografia: "The
Show Must Go On", no Théâtre
de la Ville.
Ex-intérprete dos mais variados
coreógrafos franceses, como Bouvier, Obadia e Caterina Sagna, Jérôme Bel foi também assistente de
Philippe Decouflé para a abertura
dos Jogos Olímpicos em 1992.
Bel foi desenvolvendo uma "arte do pouco", num estilo refinado
e cheio de humor. Ele rejeita a
dança espetacular, teatral e estética dos anos 80, para centrar a
atenção em uma crítica do olhar
sobre o corpo e o espetáculo.
Seus pronunciamentos provocadores (como olhar fixamente
para a platéia ou urinar no palco)
põem em questão os hábitos codificados de leitura. Em muitos casos, a noção de leitura e de código
está em cena, como em "Shirtologie" (Camisetologia), que faz da
camiseta ("t-shirt") um elemento
primário da representação.
Leia a seguir a entrevista que Bel
concedeu à Folha, no intervalo
entre os vários espetáculos, por e-mail, de Paris.
Folha - Seu trabalho se situa num
universo característico e muito
particular. Como você o descreveria (se é que pode ser descrito)?
Jérôme Bel - Posso tentar descrevê-lo. Eu achava que o meu trabalho tinha a aparência mais normal, mas fui me dando conta, à
medida que os espetáculos foram
se sucedendo, de que na verdade
não é e incomoda muita gente.
Ontem mesmo (22 de dezembro),
no Théâtre de la Ville/ Les Abbesses, não deu para escutar o final
do trabalho, porque a platéia não
parava de gritar. Queriam o dinheiro de volta.
Meu trabalho, então, se baseia
em sua própria fraqueza. O que
significa que eu não quero dominar a platéia. Não uso nenhuma
sedução. Tento dar tempo e espaço para que a platéia pense a respeito. É dialético, não ideológico.
Acima de tudo, é um trabalho de
reflexão, mais do que de entretenimento. Lamento muito, mas é o
único jeito para mim.
Folha - O que dá início a um novo
trabalho? Você tem alguma fonte
recorrente de inspiração?
Bel - Cada caso é um caso. Às vezes se trata de uma encomenda, o
que me obriga a ter um espetáculo
montado até determinada hora e
para um determinado contexto.
Às vezes, o "trabalho" simplesmente me vem, mas nunca lembro como e quando, o que é uma
pena!
Às vezes tenho algum projeto ao
qual penso me dedicar por dois
anos e, depois de duas horas, eu
me dou conta de que tenho um
outro espetáculo para fazer, que
está virtualmente pronto... portanto já posso tirar férias.
Folha - Você menciona a semiologia como uma área de interesse
que pode lhe auxiliar a pensar sobre corpos e signos. Há algum autor ou texto que tenha sido especialmente importante para você?
Bel - Li quase todos os textos de
Roland Barthes, que foi muitíssimo importante para mim. Emprego a metodologia que Barthes
criou para analisar a linguagem,
transportada para o movimento e
o corpo, para a dança e o teatro.
Outro autor de importância para
mim foi Bourdieu, com "As Regras da Arte" e "A Distinção".
Foucault também, com a "História da Sexualidade". Deleuze é outro grande estímulo.
Folha - O que seria das "t-shirts"
sem "Shirtologie"? O que é uma "t-shirt" agora, depois de "Shirtologie"?
Bel - Continuam sendo camisetas. Mas tanto eu quanto, espero,
as platéias dessa que é a mais popular das minhas peças nos tornamos mais conscientes e "ativos" no mundo dos signos: toda e
qualquer coisa tem um sentido e
podemos usá-lo para nos expressarmos. Por exemplo, empregando a potência e as alienações do
capitalismo a serviço de nosso
próprio discurso liberador.
Folha - Como se pode entender a
relação entre o bailarino/ator e a
platéia nos seus trabalhos?
Bel - A relação tem de ser tão
igualitária quanto possível. Os
atores estão fazendo seu trabalho
de artista, que é tão necessário e
socialmente útil quanto o trabalho de cada membro da platéia. A
meu ver, a idéia do artista tende a
ser superestimada, ao ponto de
tratá-los como deuses.
Mas vamos deixar uma coisa
clara. Não tenho intenção de produzir um trabalho ideológico. Só
o que eu quero é expor, em cena,
algum tipo de problematização.
Mas há platéias que querem que
eu lhes diga o que pensar. Pagaram por isso... E a vida, naturalmente, é muito mais fácil quando
alguém lhe diz o que fazer. Eu
chamo isso de totalitarismo!
Folha - Até aqui, você já criou seis
peças. Elas estabelecem alguma
sequência? Como diferem uma da
outra?
Bel - Parecem irmãs gêmeas. Tenho a sensação, às vezes, de que é
o mesmo espetáculo, o tempo todo. Às vezes, são como irmãs numa família: uma é esperta, a outra
engraçada, outra ainda é triste e
delicada ou cruel e perversa. Mas
gosto de todas, por suas diferentes qualidades e defeitos. Amor é
isso: amar até os defeitos.
Folha - "The Show Must Go On"
tem estréia marcada para este
ano. O "show continua", então,
mas como?
Bel - Continua porque há quase
30 pessoas envolvidas e todas
querem que aconteça. Elas me
ajudam e são elas que querem
que eu faça o espetáculo.
Folha - Corpos virtuais, estar
aqui e ali ao mesmo tempo, "entrar" num site: o que um coreógrafo pode fazer com esse tipo de presença evanescente?
Bel - Tenho pensado muito nesse assunto e estou muito animado
com as possibilidades abertas pelas novas mídias. Tenho um projeto de criar um trabalho para a
Internet, no ano que vem. Vejo
mais e mais coisas interessantes
na rede.
Folha - Há algum(ns) artista(s) de
quem você se sinta especialmente
próximo? De quem você não perderia uma estréia?
Bel - Sinto-me muito próximo
de um bom número de artistas,
como Xavier Le Roy, Jonathan
Burrows, Alain Platel, Raimund
Hoghe, Pina Bausch, La Ribot,
Claudia Triozzi, Boris Charmatz,
Forced Entertainement, Peter Sellars, Maurice Dantec, Michel
Houellebecq, Pierre Huyghe,
Claude Closky, Maurizio Cattelan, Douglas Gordon, Caetano
Veloso, Manu Chao, Amália Rodrigues, Madonna, William
Forsythe, Anton Tchecov, Marcel
Proust, Raymond Roussel... Por
hoje basta. Deixe eu lhe dizer uma
coisa: eu adoro a arte.
Folha - Há alguma chance de você vir de novo ao Brasil em 2001
("Nom Donné par l'Auteur" veio ao
Rio e a São Paulo, em 99)?
Bel - Estou pensando na idéia,
porque recebi convites de Rosana
Paula da Cunha (do Sesc) e de Lia
Rodrigues (que dirige o Panorama de Dança, no Rio). Mas tenho
de pensar com calma. Espero poder, porque simplesmente adoro
estar no Brasil. Sinto-me muito
bem aí. (Em português:) Tenho
muita saudade do Brasil. Adeus.
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