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MÚSICA
Maricenne Costa lança, pelo CPC, disco com primeiros momentos da música popular no Brasil
Cantora da bossa volta ao início do século
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
O projeto é a cara do selo/entidade Centro Popular de Cultura
(CPC), da União Municipal dos
Estudantes Secundaristas
(Umes): um CD, "Como Tem
Passado!!", que pretende trazer a
estudantes e "novos" em geral os
primeiros momentos da gravação
de música popular no Brasil.
Entram no critério a primeira
obra musical gravada no país
("Isto É Bom", 1902, de Xisto Bahia), o primeiro samba gravado, a
primeira modinha, o primeiro
maxixe, a primeira toada, e assim
por diante (leia quadro na página). A pesquisa é do historiador e
crítico musical nacionalista José
Ramos Tinhorão.
Mas, embora o CPC Umes o esteja lançando, não é seu o projeto,
nem tampouco de Tinhorão. É
idéia da intérprete que se responsabiliza pelo CD, a paulista (de
Cruzeiro) Maricenne Costa, 63.
Sem muitos registros na indústria musical local e pouco conhecida do público em geral, Maricenne vem acompanhando a música brasileira desde pelo menos o
advento da bossa nova, à qual foi
inicialmente vinculada.
À época, só gravou discos de 78
rpm e compactos -lançou apenas três álbuns em toda a carreira:
"Maricenne Costa" (81), "Correntes Alternadas" (92) e "Como
Tem Passado!!" (final de 99).
Começou antes da bossa, na
verdade, nos programas de calouros em que cantava Noel Rosa e
Herivelto Martins. Contratada da
rádio Record ainda adolescente
("eu era boba, caipira, tímida,
muito novinha"), conheceu a
cantora Isaura Garcia (1919-93) e
seu marido, o organista Walter
Wanderley (1932-86), que gravaria com João Gilberto o histórico
LP "João Gilberto" (61).
Estava entrando na turma. Obra
dos folclores de época, é hoje mais
lembrada pela lenda de que João
Gilberto a perseguia pelos bares
paulistanos do que pelo que cantava como crooner nos mesmos
bares. Ela concede falar da lendinha, embora ressalte que jamais
namorou o papa da bossa.
"Lembro que recebi pelo garçom um bilhete, que dizia: "Gostaria de conhecê-la, estou aqui fora".
Fui conversar, expliquei que era
do interior. "Ah, você não é do asfalto", ele disse. Ele me ouvia cantar, a frase que mais lembro era:
"Que mensagem linda tem a sua
voz". Podia até ser cantada, mas
não sei. Ele gostava de ficar sentado no bar, em silêncio, tocando
violão para a gente cantar e ele
harmonizar", diz.
Em 65, perdeu-se, por inexperiência, de lançar um LP pela Verve norte-americana. "Viajei para
os EUA para me apresentar, e lá
assinei um contrato com a Verve.
Voltei ao Brasil para o Natal, e havia uma cláusula que não vi, de
que a primeira sessão de gravação
deveria se realizar ainda naquele
ano. Aí cancelaram, eu pirei",
afirma, contando o que diz ser um
de seus poucos arrependimentos.
Integrada à corrente principal
de então, viu Geraldo Vandré
("mais recentemente, Vandré me
chamou para gravar um disco
com ele. Mas não dá certo...") e
Théo de Barros começarem a
compor "Menino das Laranjas"
na cozinha de seu apartamento
no centro de São Paulo.
Gravou uma das primeiras canções de Chico Buarque, "Marcha
para um Dia de Sol" ("acho que
Chico não gosta muito dessa música, eu entendo, aquela conversa
de pobre de mão dada com o rico..."), e participou de vários dos
festivais da canção. Então veio a
modernização tropicalista, um fator a mais para desmobilizar o
grupo bossa-novista.
"Quando entrou o tropicalismo, houve um choque muito
grande, por causa das guitarras
elétricas. Uns artistas foram estudar no exterior, outros dar aulas,
outros para o jingle. Foi um susto,
sentimos medo. Era como se perdêssemos o lugar para uma música mais comercial, assumida, para fora, com crítica social. Tem
gente que não se conforma até hoje. Era um pouco sensacionalista
em comparação com a bossa nova, mas acho que foi um movimento que trouxe mais valor à
bossa, era a MPB chegando."
O período coincidiu com a dispersão artística da própria Maricenne. "Foi por isso, também, que
fui fazer faculdade, fui fazer teatro." Trocou a música pelo teatro
até 1977 (bem, nem tanto; no início dos 70, aproveitou o histórico
cenário ainda não desmontado da
peça "O Balcão", de Jean Genet,
no teatro Ruth Escobar, para um
show com o Som Imaginário).
No retorno à música, criou o
show "Interiores", num roteiro
temático sobre migrantes na capital, com músicas de Belchior,
Tom Jobim e Milton Nascimento.
Uma reviravolta a esperava nos
anos 80, quando foi ao templo da
vanguarda Lira Paulistana e viu
um show punk dos Inocentes.
"Fiquei impressionada com a força daquilo. Até então eu ouvia
jazz, pensei: "Isso eu tenho que
cantar, é dramático". As letras da
MPB estavam um pouco chochas,
os roqueiros vieram falando de
atualidade, de realidade social".
Pronto, virou roqueira. Fez
show com repertório de Rita Lee,
Cazuza, Laura Finocchiaro... Gravou Ritchie (uma inesperada parceria com Tom Zé) e duas dos
Inocentes, em "Correntes Alternadas", que só foi lançado em 92.
Quando veio o disco, ela já estava partindo para outra. Foi naquele mesmo ano que apresentou
pela primeira vez, com apoio do
Museu da Imagem e do Som, o
show de origem do atual CD, com
a pesquisa de Tinhorão sobre as
canções pioneiras.
Por que tanta mudança? "Pareço uma maluca, não é? Como posso explicar? Sou uma aprendiz,
vou atrás do que parece não ter
nada a ver comigo. Agora descobri a pesquisa, acho que é o que
quero fazer daqui para a frente."
É que no processo da pesquisa
se embrenhou nos arquivos do
MIS, ouviu todas as gravações
originais, "tiradas da gramofone
para a boca do gravador pelo Tinhorão", chamou o grupo de choro de Izaías (que lança, simultaneamente, pelo selo CPC Umes, o
CD "Quem Não Chora Não
Ama") para o acompanhamento.
O que ela espera do novo CD?
"Após 40 anos de carreira, tive altas fossas, mas estou inteira porque nunca criei expectativas. Não
sou uma artista fabricada. Só preciso de um disco que me solidifique, talvez seja esse."
Algum medo atual? "Meu medo
era que Tinhorão ouvisse o resultado e não gostasse. Mas o pessoal
do CPC já me disse que ele gostou." Ela não teve coragem, ainda,
de falar com o historiador pessoalmente.
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