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ANÁLISE
Dan Rather encarna o herói-jornalista
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A opinião pública americana
não é fácil de atingir ou conquistar, mas vai se tornando alvo
estratégico nas articulações para a
construção de uma ordem global
minimamente igualitária.
Diante do ímpeto belicoso do
império americano, furar o bloqueio de informação que o nacionalismo oficial impõe se tornou
objetivo crucial de países discordantes, particularmente na tática
de defesa do Iraque.
A evidente superioridade bélica
anglo-americana deixa poucas alternativas. Saddam Hussein, sitiado em Bagdá, berço das primeiras
aglomerações urbanas na história
da humanidade, desencadeou
uma ofensiva no plano da comunicação dirigida diretamente aos
cidadãos norte-americanos através de Dan Rather, principal âncora da CBS, rede de TV aberta
norte-americana.
A longa entrevista concedida
pelo ditador iraquiano foi ao ar
em edição especial da tradicional
revista dominical "60 Minutes",
uma espécie de "Fantástico" de lá,
na última quarta-feira.
Encarnando o herói-jornalista,
profissional "neutro", uma espécie de Clark Kent, esteio independente que garante a transparência
da ordem pública, Dan Rather talvez tenha contribuído para reativar um poder que no pós-11 de setembro parecia adormecido.
A ação de Rather lembrou Walter Cronkite, o jornalista que no
final da década de 60 foi até o
Vietnã, registrou imagens e depoimentos que revelaram ao público de seu país atrocidades cometidas por um exército que, como o atual, supostamente agia para "libertar" o povo vietnamita.
Na época, a cobertura contribuiu
para fortalecer o movimento pacifista.
A entrevista, parcialmente disponível no site da emissora
(www.cbsnews.com), mostra um
Dan Rather cauteloso, ciente de
estar pisando em ovos ao servir de
canal a um líder estrangeiro considerado inimigo de seu país.
Sensível à invasão de seu "espaço aéreo", a Casa Branca, em um
pedido pouco usual para um país
que se quer democrático e sinalizando o intervencionismo crescente do estado no espaço público, queria a participação de um
oficial no programa. A CBS negou.
Larry King, o entrevistador da
CNN, ultimamente dedicado a assuntos comezinhos, convidou seu
colega a debater a guerra iminente. Sua conversa com Dan Rather
revelou a disposição de ambos em
reconhecer que o clima internacional não é favorável aos EUA.
Rather, cauteloso para não desrespeitar a autoridade de seu presidente, enfatizou o recado iraquiano. Disse que a guerra já começou e que no que se refere à comunicação, os Estados Unidos estão perdendo. Sugeriu que o esforço bélico envolverá perdas significativas. Ressaltou que Saddam
nega ligação com o terrorismo.
A disposição do Iraque revelou
atender a determinação da ONU.
Desmontando mísseis é coerente
com a tática, recém-adotada, da
guerrilha simbólica e promete
agregar apoio contra a guerra.
Há uma guerra de imagens contra exércitos fortemente armados.
Resta saber qual será o poder de
fogo da opinião pública, instância
fluida e instável, sobre a linha dura que comanda uma escalada armamentista sem precedentes.
Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP
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