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FILOSOFIA
Franklin de Matos resgata o "filósofo na praça pública" em ensaios
Livro revê face literária do pensamento no século 18
RODRIGO MOURA
DA REDAÇÃO
Uma filosofia na praça pública,
em nome da qual o filósofo surge
em cafés, salões, salas de espetáculo. Não, não estamos falando de
nenhuma voga francesa de "café-philo" com os pensadores da moda, embora possa até ser sua gênese, mas do objeto de estudo de "O
Filósofo e o Comediante - Ensaios
sobre Literatura e Filosofia na
Ilustração", resultado de 15 anos
de trabalho de Franklin de Matos.
Professor de estética do departamento de filosofia da USP, o autor lança essa coletânea de artigos
e ensaios publicados na imprensa
e que joga luz sobre as estreitas relações entre belas-letras e pensamento filosófico no século 18.
"Nesse momento, o filósofo não
se identifica muito com o teólogo,
o metafísico ou o sábio e se define
como um "homem de bem", que
quer agradar e se tornar útil à sociedade. A filosofia deixa de ser
um assunto de especialistas", explicou Matos à Folha.
Os gêneros literários se tornam
então campo fértil para o pensador exercitar a reflexão, contaminando seus limites com os da filosofia. "Assiste-se à diversificação
das formas de expressão do filósofo, que passa a recorrer não só
ao tratado ordenado, mas também ao romance, ao teatro, ao ensaio, ao verbete de dicionário."
Nesse ponto, o autor se colocou
uma questão: não se correu o risco de sacrificar a literatura à filosofia? "Claro que sim, e os exemplos de má literatura são muitos.
Mas a graça é quando o oposto se
dá, quando o cruzamento respeita
escrupulosamente os dois domínios e resulta em gêneros até então inexistentes, como o conto ou
o romance filosóficos." Aqui, os
dois maiores exemplos são o
"Cândido", de Voltaire, e "Jacques, o Fatalista", de Diderot.
A pesquisa de Matos remonta às
origens de sua vocação acadêmica. Graduou-se em filosofia, mas
justamente interessado em suas
relações com a literatura -embalado pelas questões filosóficas colocadas por Dostoiévski em "Crime e Castigo". "Acabei fazendo
minha tese de doutorado sobre
"Dom Quixote". Do século 17 para
o 18, foi um pulo."
Entre tantos que estudou, um
caso é especialmente caro a Matos, embora cite outros -Voltaire, Montesquieu, Rousseau, Hume, Lessing. Trata-se de Denis Diderot (1713-1784) e seu "Paradoxo
sobre o Comediante".
É nessa "reforma teatral" proposta pelo filósofo francês que
Matos encontrou um dos privilegiados pontos de observação retrospectiva do período. "Até fins
do século 18, ainda não se fazia
uma distinção rígida entre o "ético" e o "estético", e Diderot tinha
como horizonte restituir ao teatro
sua dimensão moral."
Em seu texto, o filósofo exprimia a necessidade de dobrar a visão que o público francês tinha do
ator, associada aos maus costumes. Faceta que Diderot conhecera bem dos anos boêmios da juventude, quando se "balançava
entre a Sorbonne e a Comédie".
Trazendo o debate para o presente, o professor reconhece o hibridismo que tomou de assalto a
filosofia francesa contemporânea,
notável, por exemplo, em Deleuze
e Derrida, mas não acredita que
possa se falar em uma reedição da
proximidade entre os campos literário e filosófico. "O próprio
Foucault trabalha nas fronteiras
da filosofia e da história, mas não
creio que se possa fazer uma analogia com a espantosa diversificação que se deu na Ilustração."
Nesse sentido, como ressalta
Bento Prado Júnior no prefácio
do livro, parece que a grande contribuição de "O Filósofo..." está
em distinguir diferentes usos da
linguagem. E essa empreitada,
fundamental para a filosofia contemporânea, pode ser facilitada
pelo estudo de como épocas passadas resolveram a questão.
"O FILÓSOFO E O COMEDIANTE
- ENSAIOS SOBRE LITERATURA E
FILOSOFIA NA ILUSTRAÇÃO". De:
Franklin de Matos. Editora: UFMG. 267
págs. R$ 29.
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