São Paulo, quinta-feira, 03 de maio de 2001

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FILOSOFIA

Franklin de Matos resgata o "filósofo na praça pública" em ensaios

Livro revê face literária do pensamento no século 18

RODRIGO MOURA
DA REDAÇÃO

Uma filosofia na praça pública, em nome da qual o filósofo surge em cafés, salões, salas de espetáculo. Não, não estamos falando de nenhuma voga francesa de "café-philo" com os pensadores da moda, embora possa até ser sua gênese, mas do objeto de estudo de "O Filósofo e o Comediante - Ensaios sobre Literatura e Filosofia na Ilustração", resultado de 15 anos de trabalho de Franklin de Matos.
Professor de estética do departamento de filosofia da USP, o autor lança essa coletânea de artigos e ensaios publicados na imprensa e que joga luz sobre as estreitas relações entre belas-letras e pensamento filosófico no século 18.
"Nesse momento, o filósofo não se identifica muito com o teólogo, o metafísico ou o sábio e se define como um "homem de bem", que quer agradar e se tornar útil à sociedade. A filosofia deixa de ser um assunto de especialistas", explicou Matos à Folha.
Os gêneros literários se tornam então campo fértil para o pensador exercitar a reflexão, contaminando seus limites com os da filosofia. "Assiste-se à diversificação das formas de expressão do filósofo, que passa a recorrer não só ao tratado ordenado, mas também ao romance, ao teatro, ao ensaio, ao verbete de dicionário."
Nesse ponto, o autor se colocou uma questão: não se correu o risco de sacrificar a literatura à filosofia? "Claro que sim, e os exemplos de má literatura são muitos. Mas a graça é quando o oposto se dá, quando o cruzamento respeita escrupulosamente os dois domínios e resulta em gêneros até então inexistentes, como o conto ou o romance filosóficos." Aqui, os dois maiores exemplos são o "Cândido", de Voltaire, e "Jacques, o Fatalista", de Diderot.
A pesquisa de Matos remonta às origens de sua vocação acadêmica. Graduou-se em filosofia, mas justamente interessado em suas relações com a literatura -embalado pelas questões filosóficas colocadas por Dostoiévski em "Crime e Castigo". "Acabei fazendo minha tese de doutorado sobre "Dom Quixote". Do século 17 para o 18, foi um pulo."
Entre tantos que estudou, um caso é especialmente caro a Matos, embora cite outros -Voltaire, Montesquieu, Rousseau, Hume, Lessing. Trata-se de Denis Diderot (1713-1784) e seu "Paradoxo sobre o Comediante".
É nessa "reforma teatral" proposta pelo filósofo francês que Matos encontrou um dos privilegiados pontos de observação retrospectiva do período. "Até fins do século 18, ainda não se fazia uma distinção rígida entre o "ético" e o "estético", e Diderot tinha como horizonte restituir ao teatro sua dimensão moral."
Em seu texto, o filósofo exprimia a necessidade de dobrar a visão que o público francês tinha do ator, associada aos maus costumes. Faceta que Diderot conhecera bem dos anos boêmios da juventude, quando se "balançava entre a Sorbonne e a Comédie".
Trazendo o debate para o presente, o professor reconhece o hibridismo que tomou de assalto a filosofia francesa contemporânea, notável, por exemplo, em Deleuze e Derrida, mas não acredita que possa se falar em uma reedição da proximidade entre os campos literário e filosófico. "O próprio Foucault trabalha nas fronteiras da filosofia e da história, mas não creio que se possa fazer uma analogia com a espantosa diversificação que se deu na Ilustração."
Nesse sentido, como ressalta Bento Prado Júnior no prefácio do livro, parece que a grande contribuição de "O Filósofo..." está em distinguir diferentes usos da linguagem. E essa empreitada, fundamental para a filosofia contemporânea, pode ser facilitada pelo estudo de como épocas passadas resolveram a questão.


"O FILÓSOFO E O COMEDIANTE - ENSAIOS SOBRE LITERATURA E FILOSOFIA NA ILUSTRAÇÃO". De: Franklin de Matos. Editora: UFMG. 267 págs. R$ 29.



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