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QUARTETO BEETHOVEN DE ROMA
Surpresas e verdades da música
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Uma surpresa inesperada,
até onde se pode falar em
surpresa para essa música composta há 52 anos. Mas quem por
aqui já tinha escutado o "Quarteto para Piano e Cordas" de Aaron
Copland (1900-50)? Ignorância
nossa, azar nosso; e sorte dos que
foram ao Cultura Artística na última segunda ouvir o concerto do
Quarteto Beethoven de Roma.
Tudo sai polifonicamente de
uma série de 11 tons, que se escuta
logo no início, formando duas
melodias, uma descendente, outra ascendente, ambas assobiáveis. O gênio de Copland é abrangente, abrasivo e leva uma alma
diatônica, independentemente
das dissonâncias. Tem domínio
original do tempo: não só do espaço durante e entre as notas, mas
do grande tempo, que rege uma
composição do começo ao fim.
É o caso desse "Quarteto", metamorfoseado do lento ao rápido
e de volta ao mais-que-lento. Movimento do meio: a noite americana, enlouquecida. Movimentos
1 e 3: a noite obscura da alma americana, traduzida em tons universais por esse compositor judeu,
homossexual, cinquentão.
Traduzida, agora, em tons de
sabedoria emocionada pelo
Quarteto Beethoven de Roma.
Em pleno domínio dos novos, é
mais que bonito ver esses senhores tão maduros, nos dois sentidos da palavra. Tocam dentro da
música, como só toca quem vive
nela há tanto tempo.
O pianista Carlo Bruno já valeria o esforço de sair de casa. Discreto, sem qualquer arroubo, vai
da suprema neutralidade até explosões e implosões, que trazem à
tona o que a música quer dizer e
nem sempre sabe. Os outros sabem: Felix Ayo, com seu violino
de 1744; seu colega de Conservatório em Roma, o violista Alfonso
Ghedin; e o violoncelista Mihai
Dancila -juntos desde 1986.
Não há espaço para falar do
"Quarteto" op. 16 de Beethoven
(1770-1827), mesmo com um
"Andante" tão revelador. Mas
não é possível não dizer nada da
música das músicas, o "Quarteto
para Piano e Cordas Nš 3" de
Brahms (1833-97).
O que sabe um homem aos 42
anos? Não muito. Sendo Brahms,
sabia o suficiente para reconhecer
seus terrores e seus consolos também. E sabia escrever a música de
si, que hoje nos explica e nos consola. Dos soluços do primeiro tema às agitações em fortíssimo,
com o quarteto entregue às paixões, da melodia plena ao jogo final, a arte se faz e desfaz aos nossos olhos, dizendo tudo e voltando, depois, a nada.
O quarteto deve ter tocado algum bis, mas quem queria ouvir?
Depois de tudo, o melhor é nada:
noite, silêncio, nós mesmos. Estranha, calma forma de alegria.
Quarteto Beethoven de Roma
Onde: Cultura Artística (r. Nestor
Pestana, 196, tel. 0/xx/11/ 3258-3344)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: de R$ 40 a R$ 100
Patrocinadores: Bovespa, Telefonica,
Votorantim
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