São Paulo, quarta-feira, 03 de julho de 2002

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QUARTETO BEETHOVEN DE ROMA

Surpresas e verdades da música

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Uma surpresa inesperada, até onde se pode falar em surpresa para essa música composta há 52 anos. Mas quem por aqui já tinha escutado o "Quarteto para Piano e Cordas" de Aaron Copland (1900-50)? Ignorância nossa, azar nosso; e sorte dos que foram ao Cultura Artística na última segunda ouvir o concerto do Quarteto Beethoven de Roma.
Tudo sai polifonicamente de uma série de 11 tons, que se escuta logo no início, formando duas melodias, uma descendente, outra ascendente, ambas assobiáveis. O gênio de Copland é abrangente, abrasivo e leva uma alma diatônica, independentemente das dissonâncias. Tem domínio original do tempo: não só do espaço durante e entre as notas, mas do grande tempo, que rege uma composição do começo ao fim.
É o caso desse "Quarteto", metamorfoseado do lento ao rápido e de volta ao mais-que-lento. Movimento do meio: a noite americana, enlouquecida. Movimentos 1 e 3: a noite obscura da alma americana, traduzida em tons universais por esse compositor judeu, homossexual, cinquentão.
Traduzida, agora, em tons de sabedoria emocionada pelo Quarteto Beethoven de Roma. Em pleno domínio dos novos, é mais que bonito ver esses senhores tão maduros, nos dois sentidos da palavra. Tocam dentro da música, como só toca quem vive nela há tanto tempo.
O pianista Carlo Bruno já valeria o esforço de sair de casa. Discreto, sem qualquer arroubo, vai da suprema neutralidade até explosões e implosões, que trazem à tona o que a música quer dizer e nem sempre sabe. Os outros sabem: Felix Ayo, com seu violino de 1744; seu colega de Conservatório em Roma, o violista Alfonso Ghedin; e o violoncelista Mihai Dancila -juntos desde 1986.
Não há espaço para falar do "Quarteto" op. 16 de Beethoven (1770-1827), mesmo com um "Andante" tão revelador. Mas não é possível não dizer nada da música das músicas, o "Quarteto para Piano e Cordas Nš 3" de Brahms (1833-97).
O que sabe um homem aos 42 anos? Não muito. Sendo Brahms, sabia o suficiente para reconhecer seus terrores e seus consolos também. E sabia escrever a música de si, que hoje nos explica e nos consola. Dos soluços do primeiro tema às agitações em fortíssimo, com o quarteto entregue às paixões, da melodia plena ao jogo final, a arte se faz e desfaz aos nossos olhos, dizendo tudo e voltando, depois, a nada.
O quarteto deve ter tocado algum bis, mas quem queria ouvir? Depois de tudo, o melhor é nada: noite, silêncio, nós mesmos. Estranha, calma forma de alegria.


Quarteto Beethoven de Roma     
Onde: Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 0/xx/11/ 3258-3344)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: de R$ 40 a R$ 100
Patrocinadores: Bovespa, Telefonica, Votorantim




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