São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2008

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NINA HORTA

Test-drive do serviço empratado

O chef do restaurante solta de três a sete pratos por vez. Mas 300 ao mesmo tempo?

SERVIÇO À francesa, serviço à russa... Qual é qual? O serviço à francesa existiu nas cozinhas européias, dos tempos medievais até a metade do século 19. Imaginem uma mesa enorme, de banquete, com os convidados sentados. A comida era colocada por etapas em frente aos convidados. Nada de seis pratos, mas de dezenas deles colocados sobre a mesa, e os convivas tentariam comer o que estava ao alcance do braço.
O serviço à russa foi aquele que veio substituir o serviço à francesa em alguns lugares da Europa. Nesse novo estilo de serviço, os empregados carregavam bandejas e serviam os comensais, sentados em seus lugares. Eram necessários mais empregados, decorações para cobrir a mesa, que agora estava vazia.
Interessante que este serviço à russa é o que hoje chamamos serviço à francesa. Temos também o serviço à americana, o mais descontraído de todos, que é servido em bufê, e os convidados se levantam e vão lá escolher o que querem.
Bem, fiz o esclarecimento acima para introduzir o assunto: confusão que se estabeleceu depois da nouvelle cuisine, já balzaquiana, ao inaugurar nos restaurantes a seqüência de pratos esteticamente muito bem cuidados -feitos com a mão dos cozinheiros sem luvas, para poder manusear com facilidade florzinha para cá, florzinha para lá, filé mais alto, camarão de bundinha arrebitada, cebolinha verde espetada olhando o céu, equilíbrio instável.
O cliente do restaurante pede um prato. São pratos fáceis, na maioria já picados e preparados para cozimento rápido, no instante de ser servido. São os pratos feitos, o PF de antigamente, só que trabalhados com mão de ourives, em pequenas e graciosas porções. Para nós, cozinheiros e cozinheiras de bufê, a coisa apertou. Até há cinco anos, num casamento, se servíssemos um coquetel e um prato feito em pé o objetivo era baratear.
A vida foi correndo, as pessoas tomando conhecimento do modo de servir dos restaurantes e, de repente, todas, quase todas, dizem: "Queremos uma festa para mil pessoas, empratada".
As cozinheiras tremem nos alicerces: 100, 200, 500, 1.000, 2.000, 3.000 empratados? De que jeito? O chef do restaurante solta de três a sete pratos por vez, cada um feito pelo encarregado, ou em sistema Ford, e o cliente é servido imediatamente.
Mas 300 pratos ao mesmo tempo? Pratos cheios de linda comida quente que não podem ser empilhados? Quantos quilômetros de pranchão para sustentá-los? E como mantê-los quentes? Isso exige uma estrutura de muito mais que cinco estrelas, uma cozinha fabulosa e uma legião de garçons para que todos sejam servidos ao mesmo tempo ou quase ao mesmo tempo...
Costumo convencer as noivas com um ardil bem temperado. Não discuto muito e peço que façam a experiência em casa. "Na hora do almoço ou do jantar, vá até a cozinha e faça um prato bem arrumado com o que houver no fogão. Uma perna de frango ensopado, uma torrada com espinafre e ovo picado, um suflezinho de abóbora e arroz. Agora, olha bem. Mude a torrada de lado. Ficou feia, volte para onde estava. E o molho do frango?
Conserve-o quente dentro de uma bisnaga de mostarda e aperte para que forme ondas de molho à volta da coxa sem molhar a torrada.
Pronto. Saia correndo (mas sem desequilibrar os ingredientes do prato), abra as portas com os ombros e feche-as com o pé, corra pelo corredor, suba rapidamente a escada, saia no outro corredor baixo e chegue ao quarto mais afastado da casa. Sente-se e saboreie sua bóia-fria.
Geralmente consigo fazê-las desistir do empratado, mas nem sempre.


ninahorta@uol.com.br

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