São Paulo, sábado, 03 de julho de 2010

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livros

CRÍTICA POLICIAL

Humor compensa clichê de "Sinuca de Bico"

Médico americano Josh Bazell se serve da profissão e da ironia para traçar retrato demolidor da vaidade humana

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

É temerário quando a orelha de um livro anuncia que seus direitos foram adquiridos por fulano e que a história será estrelada por sicrano. Ao ler isso, a cara de determinado ator se conformará imediatamente à do protagonista (à de Leonardo Di Caprio, no caso deste "Sinuca de Bico", de Josh Bazell), e isso pode ser bem frustrante.
Também é possível adivinhar o tipo de linguagem que virá a seguir -direta, repleta de bons diálogos e de ação.
Em geral, é esse ramo da ficção que desperta o interesse de Hollywood.
É óbvio que imaginação não deve ser exclusividade de escritores: o leitor, se estiver com boa vontade, poderá substituir a cara do personagem do modo que quiser. Eu, com escusas a Leo Di Caprio, determinei que o dr. Peter Brown, protagonista de "Sinuca de Bico", tem a cara de Hugh Laurie, o dr. House. Já explico.
Peter Brown na verdade se chama Pietro Brnwa. Ele está sob o serviço de proteção a testemunhas do FBI e se esconde sob o jaleco branco de médico no Manhattan Catholic Hospital, até um mafioso conhecido ser internado com suspeita de câncer.
Pietro, vulgo Bearclaw (pata de urso), era um assassino da Máfia e agora, reconhecido pelo ex-parceiro, teme ser descoberto. Não faltam clichês à trama de "Sinuca de Bico". Pietro fora criado pelos avós, judeus poloneses que sobreviveram a Auschwitz mas acabaram sendo assassinados por bandidos num batismo de fogo exigido pela Máfia.
Ganha uma lasanha quem adivinhar o próximo passo de Pietro: se você pensou a palavra "vingança", ganhou. Os diálogos mal humorados do dr. Brown com enfermeiras e residentes egípcios são engraçadíssimos, facilitando ainda mais a identificação dele com o dr. House.
Num dado momento, quando a bela paciente está prestes a ter a perna amputada por causa de um osteossarcoma, dá-se o seguinte: "-Ai, merda, estou com medo- ela diz, enquanto a colocam na maca. E segura minha mão, que está suando. -Vai ficar tudo bem- asseguro.
-Provavelmente eles vão cortar a perna errada.
-É verdade. Mas vai ser mais difícil fazerem merda da próxima vez que operarem." O estreante Josh Bazell é médico e isso dá um molho interessante ao livro: suas notas de rodapé. É fato que notas de rodapé são um indicativo confiável para livros chatos, mas não neste caso.
A franqueza de Brown sobre a vaidade humana na rubrica "médicos" é demolidora.

JOCA REINERS TERRON é autor de "Do Fundo do Poço se Vê a Lua" (Companhia das Letras).



SINUCA DE BICO

AUTOR Josh Bazell
TRADUÇÃO Ana Carolina Bento Ribeiro
QUANTO R$ 39 (288 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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