São Paulo, sexta, 3 de julho de 1998

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Acid House - 10 anos de ecstasy na música

Reprodução
Em 1988, no Reino Unido, clubber veste camiseta com o Smiley, símbolo da geração acid



A "geração química" comemora uma década do segundo verão do amor, que detonou o terremoto jovem dos anos 90 ao misturar a batida eletrônica e a pílula da felicidade nas pistas do Reino Unido


ERIKA PALOMINO
Colunista da Folha

Enquanto em maio último a elite intelectual comemorava os 30 anos das manifestações estudantis de 68, agora é a vez de a mídia jovem, a imprensa musical e milhões de jovens em todo o mundo evocarem os dez anos do nascimento da acid house para tentar entender e operar as mudanças ocorridas desde o segundo verão do amor, em 1988.
Aparentemente apolítica, a cultura acid house acionou a ideologia hippie como ideal, declarando o hedonismo seu principal rito.
Tratava-se de uma pequena sociedade de amigos, conectada não por discursos ou slogans, mas por intenções, emoções e, sobretudo, sensações - "One nation under a groove" (uma nação sob um ritmo). Foi a partir dali que os jovens voltaram, como nos anos 60, a ter poder de fogo (e de consumo) dentro da sociedade.
"Quando o ecstasy foi combinado pela primeira vez com a house music, a reação resultante disso impulsionou o mais vibrante e diversificado movimento jovem que o Reino Unido jamais viu."
Quem diz isso é o jornalista e escritor Matthew Collin, na bíblia "Altered State", com o subtítulo "A História da Cultura do Ecstasy e o Acid House".
De fato, o gênero serviu como detonador do terremoto jovem que assolou os anos 90, tendo a Inglaterra como epicentro. Assim, o estopim foi a explosiva combinação da pulsante música das pistas de dança junto ao amoroso psicodelismo do emergente ecstasy.
A pílula serviu como alavanca para toda uma geração espantar o fantasma do thatcherismo e tudo o que o acompanhava -desemprego; insegurança, ausência de perspectivas sociais; austeridade autoritarista e individualismo.
Em princípio, apenas um bando de malucos de rostos sorridentes e faces coradas; braços levantados em direção à cabine de som, onde homens praticamente sem nome (os DJs) instalavam estranhos cultos que, depois, vimos se transformar em religião.
Tentando reproduzir em Londres a atmosfera encontrada em Ibiza, o Klub Sch-oom, ou apenas Shoom, como depois passou para a história, foi um dos principais berços da cultura do ecstasy em Londres, de dezembro de 87 a abril de 88.
"Shoom" seria a sensação provocada quando o ecstasy começa a "bater", segundo os criadores da noite, o DJ Danny Rampling e sua então noiva Jenni.
Foi o casal quem, em janeiro de 88, adotou o logo do Smiley, importado dos hippies, que se tornou o símbolo de toda a cultura acid house.
Musicalmente, a evolução desse cenário levou a desdobramentos dentro do segmento de música eletrônica nunca antes imaginados, junto à consolidação do conceito de cenário underground.
Se o tecno é hoje o mais disseminado, subgêneros brotam a cada encontro de produtores e jornalistas à volta de algumas cervejas.
Quanto à questão do ecstasy, claro que as coisas não seriam tão simples. O consumo do ecstasy é repleto de efeitos colaterais (causando a morte em alguns casos).
Pode também causar dependência psíquica, uma espécie de patologia compulsiva para combater a vida real que não costuma ser assim tão positiva quanto uma noitada com os amigos sob luzes coloridas e música intensa.
A depressão crônica é apenas outro dos paradoxos do ecstasy, bem como uma possível passagem para outras drogas: uma de suas características é a de "perder o efeito" quanto mais é consumido.
Segundo a (pouca) literatura a respeito da droga, boa parte dos que tomam ecstasy procuram, sem sucesso, recuperar o "shoom" da fase inicial.
Assim, é agora que começaremos a acompanhar o que será da geração química (chemical generation), como se convencionou chamar esse peculiar grupo da juventude dos anos 90.
Para onde irão suas mentes e suas vidas na virada do milênio? Seus pais, governantes, a máfia da droga e, principalmente, a indústria do entretenimento esperam ansiosamente pelas respostas.



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