São Paulo, sexta-feira, 03 de agosto de 2001

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CINEMA/ESTRÉIAS

"ZAZIE NO METRÔ"

Diretor ambíguo caminha na fronteira entre o polemismo contestatório e o diletantismo burguês

Longa de Malle incorpora espírito infantil

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Para justificar o comportamento de sua sobrinha, criança desbocada e desobediente, o personagem de Phillippe Noiret em "Zazie no Metrô" se sai com esta: "É a nouvelle vague".
O termo não se restringia, então, a um movimento cinematográfico, mas designava toda uma (nova) geração. Amoral e infantilista, aversa à hipocrisia habitual de seus pais, essa geração parecia desconhecer limites. Incapaz de compreender a falta de respeito desses jovens, a velha geração de humanistas do pré-guerra logo passou a dizer que a França padecia de um "mal da juventude".
É esse espírito indomável (o "espírito da infância") que a Zazie de Louis Malle incorpora. Tão livre quanto a protagonista do filme, uma criança impossível, é o estilo adotado pelo diretor.
Pode-se acusar Malle de ter sido um mero caroneiro na nova onda que assolou o cinema francês: ele não pertencia à turma da revista "Cahiers du Cinéma", de onde veio o núcleo do movimento, e nem mesmo é considerado, em razão de sua diversidade temática e estilística, um verdadeiro autor de cinema.
Mas a verdade é que os primeiros filmes de Malle só não são mais representativos da época do que os de Godard. Ao contrário de Truffaut (com quem, aliás, trocou mútuas acusações de arrivismo), Malle foi o que se costuma chamar de "um artista de seu tempo", ainda que caminhasse sempre na fronteira entre o polemismo contestatório e o diletantismo burguês. A ambiguidade era mesmo o seu dom.
No neoburlesco anárquico de "Zazie no Metrô", adaptação de romance de Raymond Queneau que muitos consideravam inadaptável, Malle não se detém na nova geração senão para mostrá-la como fruto aberrante da (cada vez mais) caótica vida moderna.
Se Queneau, em seu livro, segue os passos de Alfred Jarry, Malle, em sua adaptação, faz jus às experimentações formais do romancista, seguindo os passos de Godard e Jacques Tati.
De Godard, Malle toma as rupturas de tom e o sentido de uma modernidade descontínua e, de Tati, a percepção burlesca e essencialmente sonora de uma modernidade patética. De Malle, há esses "movimentos de mundo" que lhe são característicos e nos quais seus personagens deixam-se abandonar como num sonho.
Não por acaso, o único momento em que Zazie está, de fato, no metrô, ela dorme (e nem se dá conta). O sonho de "Zazie no Metrô" é um vaticínio: o curto-circuito de gags ligeiras do filme, em que o espectador às vezes se perde, produziu uma centelha visionária -sequência que prenuncia os confrontos de maio de 68.
Confrontos que seriam, mais tarde, tema de "Loucuras de uma Primavera" (1990), outra comédia (malsucedida) de Malle. O cineasta, ao contrário de Godard, continuava fiel, em sua ironia, à falta de engajamento político que marcara os primeiros anos da geração.


Zazie no Metrô
Zazie dans le Métro
   
Direção: Louis Malle
Produção: França, 1960
Com: Philippe Noiret, Vittorio Caprioli,
Yvonne Clech e Hubert Deschamps Quando: a partir de hoje no Top Cine




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