São Paulo, sábado, 03 de agosto de 2002

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Autora de livro sobre escritor afirma que obra lançada agora no Brasil resume modelo do romancista

"Fado" ensaia todo Lobo Antunes, diz crítica

DA REPORTAGEM LOCAL

Assim como os personagens de "Fado Alexandrino", António Lobo Antunes também foi guerrear por Portugal nas colônias da África, no início dos anos 70. Mas Lobo Antunes diz que este livro não é mais autobiográfico que os demais, na medida em que toda sua escrita "é feita com meu sangue, minhas tripas, minha experiência de vida, imaginações e sonhos". Como diz à Folha, "não sou Deus, não invento nada".
Pode não ser o mais "autobiográfico", mas "Fado Alexandrino" deixou marcas fortes no relevo literário do escritor, sustenta Maria Alzira Seixo.
"Esse romance é talvez o texto em que Lobo Antunes consegue ensaiar a urdidura a partir de então comum em toda a sua obra: um tecido complexamente polilogal de vozes que se entretecem e dramaticamente se alternam, conjugando várias histórias de diversas proveniências sociais, com temáticas e idiossincrasias nas personagens individuais também muito diferenciadas, e a partir daí comunicando a dilaceração desordenada da guerra colonial na África, tanto como a multiformidade absurda da revolução de Abril", opina a ensaísta.
Se esse "tecido polilogal" se aproximaria mais da sinfonia, é de "fado" que foi batizado, mesmo com o desprezo do autor pelo gênero. "Eu não gosto de fado, tem melodias muito pobres." O "alexandrino" em questão é, segundo Lobo Antunes, um dos quatro tipos de fado existentes. "É em versos alexandrinos, de 12 sílabas, e normalmente conta a história de uma tribo." A escolha do título obedeceu, assim, ao fato de o livro ter 12 partes e ao caráter irônico que dava para o romance.
"O fado tem uma coisa sentimental, pequeno-burguesa, de amor. Esteve muito ligado à ditadura. Esses elementos soam irônicos em relação ao romance."
Irônico também é o fato de a história, como quase todas do autor, se desenrolar em Portugal, país que ele já atacou muitas vezes e do qual diz que não sai pela "necessidade de me alimentar da língua em que escrevo".
Mas sua Lisboa, há de se dizer, não é a de todos os outros. "A Bahia de Jorge Amado é uma outra Bahia. O cenário de Guimarães Rosa foi ele que inventou. Faulkner criou seu próprio país. Eu inventei minha Lisboa."
Lobo Antunes, que chegou a ameaçar em 1998 não mais publicar em Portugal, é quase um estrangeiro em seu país. "Meu mundo acaba sendo o que eu vou inventando para as minhas ficções." (CASSIANO ELEK MACHADO)



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