São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2004

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MÚSICA

"Minha Pátria, Minha Música" associa e embaralha cores da bandeira nacional, regiões e gêneros musicais no Sesc

Festival bica patriotismos e patriotadas

DA REPORTAGEM LOCAL

Estariam de volta o ufanismo do "eu te amo, meu Brasil, eu te amo", o patriotismo agressivo do "Brasil, ame-o ou deixe-o"? A dúvida é imediatamente suscitada diante da programação do festival "Minha Pátria, Minha Música", que o Sesc Pompéia inicia hoje em sincronia com as comemorações do "mês da pátria".
A curadoria musical do Sesc, composta por uma equipe de cinco pessoas, imaginou uma seleção heterogênea fundada nas cores da bandeira nacional. O mineiro Lô Borges e os gaúchos Renato Borghetti e Os Replicantes encenam o verde -a montanha, o pampa, os ribeirinhos. O baiano-paulista Tom Zé e o carioca Jair do Cavaquinho enfeitam o amarelo -o ouro, a riqueza dos grandes centros urbanos. Outros artistas compõem o azul (a faixa litorânea) e o branco (na leitura do Sesc o sertão árido) da bandeira.
O Brasil ditatorial passa de raspão pela abertura de alguns dos shows, que será feita ao som de uma fanfarra. O coordenador Jefferson Lima, 29, afirma que tal idéia guarda um quê de provocação. "Pedimos um repertório que não tivesse nada de marcial ou militar, que tivesse algo de pop", diz. Pois a fanfarra tocará o "Xote das Meninas" de Luiz Gonzaga, a "Aquarela" de Toquinho, um samba estilizado e... a "Malandragem" rock de Cazuza e Frejat.
"Há uma ironia em trazermos grupos de rock como Eddie e Replicantes, descolados de qualquer desejo de resgate de idéias do regime militar ou, em sinais trocados, de qualquer ideologia marxista", Lima se defende dos riscos do ufanismo e da patriotada.
Querendo driblar "conceitos caducos", liga a seleção do festival a uma idéia não de união nacional, mas de diversidade. "Se você não consegue ver o outro, não pode dizer qual é sua própria riqueza", afirma, referindo-se à opção de fazer conviverem no evento samba, forró, rock, tropicália etc.
Ele diz que a reunião entre música e pátria não afugentou artistas convidados. "De modo geral, eles querem saber das questões práticas, não das ideológicas."
Filiado ao pelotão do pop contemporâneo, o líder do grupo pernambucano Eddie, Fábio Trummer, parece corroborar o naco de despolitização do festival.
"Não creio no nacionalismo. Acredito num todo que seria o equilíbrio de todo o planeta, mas a minha área de atuação é limitada por fronteiras, o Brasil, por enquanto pelo menos", completa, criticando o uso de "símbolos" e "bairrismo" para afetar "desenvolvimento democrático".
Numa ponta mais tradicionalista, o cantador e contador de histórias Antônio Nóbrega, também pernambucano, prefere peitar a pátria e o patriotismo.
"Palavrinhas como pátria, nação e raça ficaram perigosas, se contaminaram de sentido negativo por causa de experiências históricas que não foram pelo bem da humanidade, o nazismo no cume", começa. "Mas acho que guardam vitalidade. Pátria vem de um conceito masculino, de paternidade, mas se tornou feminino -a pátria é mãe gentil, a terra nutriente-, o que dissolve um pouco a beligerância da palavra."
Já concluindo, Nóbrega acaba por tecer uma crítica à oposição que a ressurreição de tais conceitos causa. "Hoje há uma "mercadocracia" que se confunde com democracia. Fala-se de autoritarismo e censura, mas ninguém se levanta para dizer que existe um Brasil escondido por uma censura branca, de mercado, que um Brasil mais heterogêneo corrigiria. Mas é só falar que se diz logo "é censura, é censura"." (PAS)


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