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MÚSICA
"Minha Pátria, Minha Música" associa e embaralha cores da bandeira nacional, regiões e gêneros musicais no Sesc
Festival bica patriotismos e patriotadas
DA REPORTAGEM LOCAL
Estariam de volta o ufanismo
do "eu te amo, meu Brasil, eu te
amo", o patriotismo agressivo do
"Brasil, ame-o ou deixe-o"? A dúvida é imediatamente suscitada
diante da programação do festival
"Minha Pátria, Minha Música",
que o Sesc Pompéia inicia hoje em
sincronia com as comemorações
do "mês da pátria".
A curadoria musical do Sesc,
composta por uma equipe de cinco pessoas, imaginou uma seleção
heterogênea fundada nas cores da
bandeira nacional. O mineiro Lô
Borges e os gaúchos Renato Borghetti e Os Replicantes encenam o
verde -a montanha, o pampa, os
ribeirinhos. O baiano-paulista
Tom Zé e o carioca Jair do Cavaquinho enfeitam o amarelo -o
ouro, a riqueza dos grandes centros urbanos. Outros artistas
compõem o azul (a faixa litorânea) e o branco (na leitura do Sesc
o sertão árido) da bandeira.
O Brasil ditatorial passa de raspão pela abertura de alguns dos
shows, que será feita ao som de
uma fanfarra. O coordenador Jefferson Lima, 29, afirma que tal
idéia guarda um quê de provocação. "Pedimos um repertório que
não tivesse nada de marcial ou
militar, que tivesse algo de pop",
diz. Pois a fanfarra tocará o "Xote
das Meninas" de Luiz Gonzaga, a
"Aquarela" de Toquinho, um
samba estilizado e... a "Malandragem" rock de Cazuza e Frejat.
"Há uma ironia em trazermos
grupos de rock como Eddie e Replicantes, descolados de qualquer
desejo de resgate de idéias do regime militar ou, em sinais trocados,
de qualquer ideologia marxista",
Lima se defende dos riscos do ufanismo e da patriotada.
Querendo driblar "conceitos caducos", liga a seleção do festival a
uma idéia não de união nacional,
mas de diversidade. "Se você não
consegue ver o outro, não pode
dizer qual é sua própria riqueza",
afirma, referindo-se à opção de
fazer conviverem no evento samba, forró, rock, tropicália etc.
Ele diz que a reunião entre música e pátria não afugentou artistas convidados. "De modo geral,
eles querem saber das questões
práticas, não das ideológicas."
Filiado ao pelotão do pop contemporâneo, o líder do grupo pernambucano Eddie, Fábio Trummer, parece corroborar o naco de
despolitização do festival.
"Não creio no nacionalismo.
Acredito num todo que seria o
equilíbrio de todo o planeta, mas
a minha área de atuação é limitada por fronteiras, o Brasil, por enquanto pelo menos", completa,
criticando o uso de "símbolos" e
"bairrismo" para afetar "desenvolvimento democrático".
Numa ponta mais tradicionalista, o cantador e contador de histórias Antônio Nóbrega, também
pernambucano, prefere peitar a
pátria e o patriotismo.
"Palavrinhas como pátria, nação e raça ficaram perigosas, se
contaminaram de sentido negativo por causa de experiências históricas que não foram pelo bem
da humanidade, o nazismo no cume", começa. "Mas acho que
guardam vitalidade. Pátria vem
de um conceito masculino, de paternidade, mas se tornou feminino -a pátria é mãe gentil, a terra
nutriente-, o que dissolve um
pouco a beligerância da palavra."
Já concluindo, Nóbrega acaba
por tecer uma crítica à oposição
que a ressurreição de tais conceitos causa. "Hoje há uma "mercadocracia" que se confunde com
democracia. Fala-se de autoritarismo e censura, mas ninguém se
levanta para dizer que existe um
Brasil escondido por uma censura
branca, de mercado, que um Brasil mais heterogêneo corrigiria.
Mas é só falar que se diz logo "é
censura, é censura"."
(PAS)
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