São Paulo, quinta-feira, 03 de setembro de 2009

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NINA HORTA

Que fim levou?


Queria entender porque algumas comidas foram escolhidas para sumir quando eram as mais amadas


JÁ ESTAVA com isto na cabeça: "Que fim levou?". Mas era mais ligado a assassinatos muito comentados, gente desaparecida, processos arquivados, quando recebi este e-mail: "Olá, sinto um quê de felicidade quando jovens aparecem no Platibanda para comer aquilo que a maioria das pessoas acha esquisito. Tem um casal muito querido cujo prato é sempre a língua ao madeira. No fim de semana passado, outro casal (que ainda não recebia meu e-mail) apareceu pra ver se tinham a sorte de encontrar o que queriam, ou seja, fígado à veneziana.
Se aparecerem amanhã ou depois, não perderão a viagem. Além dessa iguaria, tudo o mais continua rolando: rabada, moela, parmegiana, muita salada fresquinha, cuscuz de camarão, filé de pescada, lula à dorê e à provençal, rã etc. Sempre me esqueço de comentar sobre os doces do Platibanda. Além das tortas de banana com castanha-do-pará, de maçã, de limão, do bolo musse de chocolate, o manjar branco tem trazido brilho aos olhos de muitos clientes. Abraço da Mara. Platibanda. Rua Mourato Coelho, 1.365, tel. 0/xx/ 11/3034-5812, Vila Madalena".
Não conheço a chef nem o restaurante, mas, pelo jeito, o menu é formado de coisas "que fim levou". Pode ter descoberto um nicho interessante. O "que fim levou" mais dramático é o estrogonofe, adorado pela maioria e confinado à breguice mais medonha. Outro dia me intriguei com o fim do camarão à grega, acho que o Silvio Lancellotti já contou onde e como surgiu. Aliás, o próprio Silvio, ótimo escritor, estava entre os "que fim levou", até aparecer glorioso na revista de domingo da Folha. Como é que era mesmo, Silvio? Dois espetos de camarão e queijo a milanesa, ao lado do arroz?
Acompanhado por batatinha palha, ou era o filé à cubana que tinha banana e batatinha palha?...
A chef fala no manjar branco. Vinha sempre com calda de ameixas e era comida de alma. E que fim levou o sorvete de ameixa preta, o olho de sogra, a ameixa recheada?
A presuntada ainda existe? Morava numa pequena lata triangular (era o Spam, comida dos soldados americanos na guerra). Servida aqui, geralmente, com pêssegos em lata ou abacaxi.
E a macarronada de forno e o arroz de forno? Ninguém pensava muito em pasta al dente e se deliciava com a crosta que se formava por cima do macarrão com queijo, com as beiradas quase queimadas.
Não tínhamos risoto, era arroz de forno com galinha desfiada, ervilha em lata e umas coisinhas mais.
Os cajuzinhos, que eram doce de amendoim no formato de cajus, também tiveram um injusto sumiço, assim como os ramos de passas recheados de doce de ovos.
Empadinhas, rissoles e coxinhas benfeitas parecem que estão voltando como boa comida de boteco, mas ainda há uma desconfiança de status em torno deles. And dzi croquetes? Na Holanda, é preciso comer os croquetten. São maravilhosos, grandes e grossos e belamente fritos em muito óleo.
E picles? Não havia um estrangeiro na família, e minha mãe fazia um picles de legumes, cenoura, vagem, nem me lembro mais do quê, punha num vidro grande de boca larga e deixava de lado para abrir na hora adequada. E as peripécias que fazíamos para pescar aquela coisa viciante, azedinha, que jamais comeríamos se fôssemos obrigados!
Castanhas portuguesas? Antigamente eram um luxo, todo mundo adorava marrons. E hoje muitas vezes nem se sabe o que é um Montblanc.
Não é nostalgia, não, temos comidas ótimas, principalmente para substituir a presuntada, só queria era entender porque algumas foram escolhidas para sumir quando eram as mais amadas...
E boa sorte para você, moça do restaurante, que salva os bastidores da nossa cozinha.

ninahorta@uol.com.br

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