São Paulo, quinta, 3 de setembro de 1998

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Cimino vem mexer na história do Brasil

FERNANDO OLIVA
da Redação

O diretor norte-americano Michael Cimino desembarca neste domingo em São Paulo para mexer com a história do Brasil e com o padrão de orçamento do cinema nacional. "Gonçalo", seu filme sobre a saga do nosso descobrimento, está orçado em US$ 35 milhões, a mais cara produção da história do cinema brasileiro (como comparação, o épico "Guerra de Canudos" custou R$ 6 milhões).
Mais: o cineasta norte-americano acredita que "Gonçalo", a superprodução que reconta a saga portuguesa sob a ótica de um marujo da frota de Cabral, pode fazer sucesso entre o público dos EUA.
Em entrevista concedida à Folha, por telefone de Los Angeles, o diretor de "O Franco-Atirador" e "Horas de Desespero" disse que seu oitavo longa-metragem não será um épico histórico, mas a trajetória de um indivíduo (o marujo Gonçalo Fonseca) que tem como pano de fundo um momento de grande turbulência no planeta, a era das navegações no início do século 16.
"É óbvio que vai ser grandioso, porque é a natureza do meu trabalho, mas eu não quero dirigir um épico abstrato, e sim uma história muito pessoal."
Do lado brasileiro da parceria, está a Tatu Filmes, de Cláudio Kans, e o empresário Fábio Fonseca. Dos EUA, os produtores Ilya Salkind (da série "Superman") e Jane Chaplin, a filha mais nova de Charles, que chegam ao Brasil neste sábado.
Cimino vem ao país para se reunir com atores, produtores locais e possíveis investidores. Depois, visita Brasília e Porto Seguro -no litoral baiano, sai em busca das melhores locações para seu filme.
As filmagens só devem ter início no ano que vem, e o lançamento de "Gonçalo" (título provisório) está previsto para o final do ano, simultaneamente no Brasil e nos EUA.

Folha - O sr. acredita realmente que um filme sobre o descobrimento do Brasil pode interessar aos americanos?
Michael Cimino
- Eu não acho que importe o local onde o filme foi rodado. Nós vimos a popularidade de todos os tipos de filmes na América... filmes da França, da Espanha, da Argentina, Itália, China. Então por que não poderia acontecer a mesma coisa com um filme brasileiro? Boa parte de "Butch Cassidy", um filme muito popular, se passava na América do Sul.
O que tentamos fazer é muito simples, um filme o mais próximo possível da realidade, mas ao mesmo tempo o mais próximo possível do entretenimento. Se atingirmos nosso objetivo, acho que as pessoas vão se interessar.
Folha - Porque um diretor com uma carreira em Hollywood resolve fazer um filme no Brasil, co-produzido por brasileiros, sobre a história do Brasil?
Cimino
- Eu não gosto de categorizar os filmes dessa maneira. O cinema, hoje, é uma indústria global. Nos últimos dez anos vimos, por exemplo, filmes chineses por toda a parte. Não há mais nada de estranho em relação ao lugar onde um filme é feito. Bernardo Bertolucci fez "O Último Imperador" na China, Scorsese fez "Kundum" na Ásia, e o "Sete Anos no Tibet" de Jean-Jacques Annaud foi rodado na América do Sul. Poucos filmes hoje são completamente rodados em Hollywood, talvez só os desenhos animados da Disney (risos).
Folha - Como em "O Franco-Atirador", "Gonçalo" tem como pano de fundo a história de um país. Isso, de alguma maneira, limita o seu trabalho?
Cimino
- Num filme, você deve transformar os fatos em entretenimento. É algo para ser visto, necessita de certa exuberância, energia, precisa ser cheio de vigor, mas tudo isso ao mesmo tempo em que você fala sobre coisas que realmente aconteceram.
Folha - "Gonçalo" pretende fazer algum tipo de ligação entre o passado e o presente do Brasil?
Cimino
- Não, o filme se passa inteiramente no século 16. Não há nenhuma intenção de comentar a situação de seu país hoje...
Folha - O sr. acha que rodar um filme também encerra a idéia de passagem e transformação?
Cimino
- Todo filme, ou todo bom filme, é sobre descobrir alguma coisa, descobrir algo que você não conhecia antes. Durante a jornada do filme você faz seu próprio descobrimento, entra em contato com coisas que não conhecia e das quais nunca ouvira falar.
Folha - A paisagem dos EUA é dona de um papel crucial em seus filmes. Como a sua câmera vai se aproximar da paisagem brasileira?
Cimino
- Eu espero encontrar alguns lugares que as pessoas ainda não filmaram, alguma parte intocada do litoral. Eu não quero mostrar nada que já tenha aparecido em qualquer outro filme, que é o que eu tento fazer em todo filme que realizo.
Esta é uma oportunidade única de mostrar as coisas de maneira diferente, de uma maneira que praticamente não foi mostrada antes.



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