São Paulo, quinta, 3 de setembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DISCO LANÇAMENTO

Rita Lee, 50, sonha com a "garagem dos Jetsons"

Evelson de Freitas/Folha Imagem
A cantora Rita Lee, 50, que acaba de lançar o disco "Acústico MTV"


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Mais um "Acústico MTV" está no ar. A bola da vez é Rita Lee, 50, que lança seu terceiro disco ao vivo em sete anos -o primeiro foi "Bossa'n'Roll" (91), acústico pioneiro no Brasil, em fase pré-MTV.
Em entrevista à Folha, a cantora e compositora paulistana -que já acumula 30 anos de carreira, do início tropicalista com os Mutantes até a duradoura parceria com o marido Roberto de Carvalho, "condutor" do projeto MTV- dá suas justificativas para a existência de mais um "Acústico" e revela a vontade de compor um disco que fosse "a garagem dos Jetsons", "futurista" com sintetizadores antigos, comuns nos anos 60.

Folha - Que balanço você faz do "Acústico", agora que está saindo?
Rita Lee -
É legal, digo em nome do público. O público acha uma delícia ver os artistas no banheiro da Hebe. Quisemos fazer isso, sem deixar radicalésimo, como foi o "Bossa'n'Roll", mas sofisticado.
Folha - Por que tantos discos ao vivo ultimamente?
Rita -
É, "A Marca da Zorra" foi uma entressafra, só com coisa velha, que é o que o público gosta. Não tem jeito, se num show você deixa de tocar "Ovelha Negra" ou "Lança Perfume", o público não se conforma. Quando se tem uma vidona na estrada, não tem jeito. É normal, a gente tem uma fase em que é aquele vulcão explodindo, depois o facho dá uma sossegada. Você se repete, se copia, faz referência a si mesmo. Vira estilo.
Folha - Há pressão, de a imprensa cobrar a repetição do artista de um lado e o público querer sempre as mesmas coisas de outro?
Rita -
Ah, eu gosto mais do público. É ele que dá o tesão. A pressão vem da crítica, que reclama, diz que tem que renovar. Quando a gente se renova, não gostam, acham que a gente nunca vai se superar. Com 50 anos, não vou ficar me sentindo pressionada por porra nenhuma. Não tenho nada a declarar à alfândega. Aprendi com Tim Maia: não me encham o saco.
Folha - O "Acústico MTV" é uma fórmula quase sempre vendável. É uma aposta no certo?
Rita -
A gente leva isso em conta, é evidente. Mas é legal. Para fazer tem que ter uns aninhos de estrada. A moçada que está tomando o poder ainda vai demorar uns 15 aninhos para ter bagagem. Esse lado eu acho legal, chique. Mas não é todo acústico que dá certo, não.
Folha - Em termos comerciais, no Brasil, tem sido.
Rita -
É? Essa coisa de vendagem de discos, como a gente não tem numeração de CD, eu não acredito em nada. Acho que não vende porra nenhuma. Se vende, cadê os direitos autorais? É tudo nas coxas.
Folha - Você acha que vende mais ou menos do que dizem?
Rita -
Talvez menos e talvez mais. Não sei. Eu queria saber quanto é. Gravadora sempre gosta quando a gente vende. Adoram, aliás vivem para isso. Se não vender, se for um big fiasco, para mim é o mesmo de sempre. Na minha vida já teve tudo isso. Tiro meu time de campo, tenho 50 músicas novas, entro no estúdio, estrada, a vidinha de sempre. Não estou jogando minha vida no "Acústico". É mais um.
Por outro lado, é uma vitrine para mostrar meu trabalho. Onde vou mostrar, no "Faustão", no "Gugu"? Não toco no rádio, não faço pagode, sertanejo nem rebolo a bunda. Na MTV mesmo, até hoje, só tive dois clipes. Então não é uma putaria, é uma oportunidade para mim, de dizer: "Meu nome é Rita, tenho essas músicas, talvez sua mãe e sua avó tenham ouvido".
Folha - Bandas de 15 anos, como Paralamas e Titãs, mantêm públicos de show predominantemente adolescentes. E você?
Rita -
Há os cinquentões, fiéis há 30 anos, os filhos dos cinquentões e já há os netos dos cinquentões. De cinco em cinco anos, renova tudo. Então não acho putaria fazer releitura, principalmente se você não tem apenas dois discos -isso aí também já acho apelação.
Folha - É fácil manter energia para acompanhar o público jovem?
Rita -
Pois é... Fiquei cansada de me ver sentada o tempo todo nesse "Acústico". O show já vou fazer de pé, não vou aguentar ficar sentada. Vou fazer um "mezzo a mezzo", um acústico numas, com guitarra. Pauleira é o que mais gosto. A véia tem que dar umas "peruadas".
Folha - Pela primeira vez, você grava uma música de Raul Seixas, "Gita". Há um paralelo entre as carreiras dos dois roqueiros?
Rita -
Olha, eu acho que o pai do rock no Brasil é Erasmo Carlos, Raul sempre falava dele. Gostaria que ele estivesse nesse acústico, mas acho que ele merece o dele.
Folha - Ele diz que não quer fazer, que já se repetiu demais.
Rita -
Ai, que chique (ri)! Mas para nós, público, não! Por favor, faça! A gente vai adorar, você se repetindo é uma delícia, não se renove, pelo amor de Deus! Ele é aquele "gentle giant"... Nunca engoli muito a estética da jovem guarda, mas Erasmo para mim era o desacato à autoridade. Tinha um perfil rocker mesmo, verdadeiro.
Folha - Sua forma de cantar está mudando, não está?
Rita -
É. Há dois anos, quebrei meu material de trabalho -a boca, o côndilo maxilar. É lindo esse nome, "côndilo", coisa de vampiro. Caí de queixo, o anjo da guarda já não aguentava mais o quanto a gente aprontava e abusava. Foram seis meses de recuperação, pino de titânio, os médicos diziam que eu nunca mais ia cantar, nem abrir a boca. No meu ouvido não era aquilo, eu sabia que ia voltar a cantar.
Foi aí que resolvi mudar o filme, parar de tomar droga. Obrigada, adorei a trip, mas vou parar. Depois de quatro meses, quando tiraram toda a aparelhagem, abri a boca e saí cantando, para espanto geral. Acho que é tido como milagre. Hoje agradeço esse acidente, acho que foi do bem, o que me fez cantar melhor, a botar a voz para fora.
Hoje tenho até que me adaptar a isso de estar cantando legal. É difícil passar 30 anos se achando uma bosta e acreditar que depois de um acidente comecei a cantar bem. Mas estou cantando bem, sim.
Folha - O que vai acontecer depois do "Acústico"?
Rita -
Acho que eu queria fazer um disco instrumental, com pouca letra. O tecno até me encanta, apesar de ser repetitivo também. Penso também em algo pauleira, pesado, rock, dance. Estou implicada com balada, o discursinho de cada pessoa, que não interessa. Queria pegar uns letristas legais, Itamar Assumpção. Comprei um theremin, o bisavô do sintetizador. Até o minimoog eu queria voltar a usar. É uma delícia, não existe mais. Queria fazer a garagem dos Jetsons. Preciso muito entrar em estúdio e ficar pesquisando.
Folha - Em quem você vai votar?
Rita -
Alfredo Sirkis presidente, Marta Suplicy governadora, Eduardo Suplicy senador.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.