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ANÁLISE
Espaço comemora data com a diversidade
BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
O brasileiro típico é um
mito -como é mítica a
América Latina. Quem vê "Os
Sertões - O Homem", no Oficina,
não sai ignorando isso. Sai feliz de
saber o quão diferentes nós somos uns dos outros e o quão ricos
a diferença nos torna -ela é o
nosso tesouro comum.
O espetáculo retoma a questão
da identidade, dizendo-nos quem
somos nós que não cessamos de
nos misturar. Só falamos a mesma língua, fazendo-a variar interminavelmente, deixando que ela
se contamine pelas outras línguas.
Gilberto Freyre, que fundou a sua
sociologia na miscigenação, e Mario de Andrade, que bendizia a
contribuição milionária de todos
os erros, teriam gostado.
Com a primeira parte, "A Terra", o Oficina fundou o TBI, o
Teatro Brasileiro da Inclusão, introduzindo as crianças do Bexiga
na peça -crianças sem casa, de
casas sem número, dos cortiços-, dando voz, por meio delas,
a Euclydes da Cunha, ensinando-lhes a grande língua do escritor e a
história da nossa formação, além
de indicar o caminho pacificador
da arte.
O resultado desta experiência
iniciática é o re-nascimento do
Oficina em "O Homem" para um
trabalho de ator surpreendente.
Com as crianças, os mais velhos
também se formaram.
Além do já consagrado Marcelo
Drummond, no papel de Euclydes da Cunha, de Ricardo Bittencourt, de Fransérgio Araújo e de
Aury Porto, há vários outros atores e atrizes cujo desempenho arrebata.
Isto ocorre porque são capazes
de encarnar com convicção o próprio personagem, de se comunicar com o espectador e de se desnudar em público, como só o ator
se desnuda. Por saber que a palavra vergonha não faz sentido no
teatro. Que, para ser bom, o ator
precisa ser avergonhado. Ou melhor, se tornar avergonhado, como o artista se torna inocente.
Noutras palavras, o bom ator,
como o bom artista, é aquele que
recuperou a inocência perdida,
exercitando-se no seu ofício. E a
contribuição das crianças do Bexiga foi decisiva para que os mais
velhos se aprimorassem. Prova de
que a inclusão é o melhor dos recursos.
Como a terra é o maior dos
bens. Para o sertanejo e para os
sem-terra. Para o Oficina, a cuja
história o espetáculo continuamente nos remete, convocando a
tomar parte no drama de um espaço cultural vital ameaçado de
extinção desde que surgiu.
"O Homem" mostra mais ainda
do que "A Terra" que Canudos é
aqui, os sem-terra estão no campo mas também na rua Jaceguay,
no Bexiga, onde Zé Celso resiste e
comemora com os seus amigos de
ouro dez anos de abertura do teatro no dia 3 de outubro. Do Uzyna
Uzona, transformado numa usina de formação e de paz. Quem
não viu a peça ainda pode ir e comemorar.
Betty Milan é escritora, psicanalista e
autora de "A Paixão de Lia" e "O Papagaio e o Doutor", entre outros
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