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"SALOMÉ"
Sem Gades, velha idéia vira embuste
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
A idéia é mais ou menos a
mesma de "Carmen" (1983),
o melhor filme da trilogia flamenca que o espanhol Carlos Saura
realizou nos anos 80: documentar
o processo de criação e montagem de um espetáculo musical.
A montagem é uma adaptação
da história da personagem bíblica
que seduziu o rei Herodes com
uma dança e depois pediu, a conselho da mãe, a cabeça de João Batista de presente numa bandeja.
Saura, é preciso dizer, já não faz
aqui um pas-de-deux com o coreógrafo Antonio Gades, que, se
não era o verdadeiro autor, era ao
menos o co-autor daquela trilogia
(completada por "Bodas de Sangue" e "Amor Bruxo"). A ausência de Gades se faz sentir não apenas nas coreografias, assinadas
aqui pelo próprio Saura. Naqueles
dos anos 80, o que de melhor havia era Gades em cena, com seu
temperamento e plasticidade.
Em "Salomé", Saura toma o lugar de Gades. Ele filma um pseudo-documentário em que seu alter ego finge dirigir o espetáculo
-o que Gades fazia, com mais
propriedade, em "Carmen". E o
que se opera é uma curiosa inversão: as cenas do documentário de
"Salomé" convencem muito menos do que as cenas ficcionais de
"Carmen". O filme dos anos 80
conseguia nos passar a sensação
de estarmos dentro da montagem, acompanhando de fato o
processo de criação. Em "Salomé", esse processo é um embuste.
Em "Carmen", os bailarinos
atuavam como personagens reais
e ficcionais, e a duplicidade que
estabeleciam nos prendia à cena.
Em "Salomé", Saura falha ao trocar as histórias de bastidores por
insossos depoimentos .
O filme, no fundo, não parece
interessar tanto a Saura quanto a
montagem. As soluções cênicas
são privilegiadas em detrimento
das cinematográficas. Saura nos
reserva uma incômoda posição
de espectador teatral, confiante de
que a beleza plástica fará valer o
ingresso. Mas nada justifica a confiança: suas coreografias não são
especialmente belas e suas soluções cênicas revelam-se de um
tremendo mau gosto.
Salomé
Idem
Direção: Carlos Saura
Produção: Espanha, 2002
Com: Aída Gómez, Paco Mora
Quando: A partir de hoje, nos cinemas
Espaço Unibanco, Frei Caneca e circuito
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