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São Paulo, sexta-feira, 03 de outubro de 2003

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"SALOMÉ"

Sem Gades, velha idéia vira embuste

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

A idéia é mais ou menos a mesma de "Carmen" (1983), o melhor filme da trilogia flamenca que o espanhol Carlos Saura realizou nos anos 80: documentar o processo de criação e montagem de um espetáculo musical.
A montagem é uma adaptação da história da personagem bíblica que seduziu o rei Herodes com uma dança e depois pediu, a conselho da mãe, a cabeça de João Batista de presente numa bandeja.
Saura, é preciso dizer, já não faz aqui um pas-de-deux com o coreógrafo Antonio Gades, que, se não era o verdadeiro autor, era ao menos o co-autor daquela trilogia (completada por "Bodas de Sangue" e "Amor Bruxo"). A ausência de Gades se faz sentir não apenas nas coreografias, assinadas aqui pelo próprio Saura. Naqueles dos anos 80, o que de melhor havia era Gades em cena, com seu temperamento e plasticidade.
Em "Salomé", Saura toma o lugar de Gades. Ele filma um pseudo-documentário em que seu alter ego finge dirigir o espetáculo -o que Gades fazia, com mais propriedade, em "Carmen". E o que se opera é uma curiosa inversão: as cenas do documentário de "Salomé" convencem muito menos do que as cenas ficcionais de "Carmen". O filme dos anos 80 conseguia nos passar a sensação de estarmos dentro da montagem, acompanhando de fato o processo de criação. Em "Salomé", esse processo é um embuste.
Em "Carmen", os bailarinos atuavam como personagens reais e ficcionais, e a duplicidade que estabeleciam nos prendia à cena. Em "Salomé", Saura falha ao trocar as histórias de bastidores por insossos depoimentos .
O filme, no fundo, não parece interessar tanto a Saura quanto a montagem. As soluções cênicas são privilegiadas em detrimento das cinematográficas. Saura nos reserva uma incômoda posição de espectador teatral, confiante de que a beleza plástica fará valer o ingresso. Mas nada justifica a confiança: suas coreografias não são especialmente belas e suas soluções cênicas revelam-se de um tremendo mau gosto.


Salomé
Idem
  
Direção: Carlos Saura
Produção: Espanha, 2002
Com: Aída Gómez, Paco Mora
Quando: A partir de hoje, nos cinemas Espaço Unibanco, Frei Caneca e circuito



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