São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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FASHION

Em seus desfiles, Milão celebra feminilidade, anos 70 e a moda natural

Mistura de cores aponta para busca de individualidade

DA ENVIADA A MILÃO

De Anna Wintour, da "Vogue" América (que ficou famosa por jamais usar preto), a Franca Sozzani, da "Vogue" Itália, passando por Suzy Menkes (do jornal norte-americano "International Herald Tribune") e chegando a nomes do segundo escalão, mas não por isso menos importantes para a moda, as escolhas de cores agora incluem coral e turquesa, branco e bege. Preto? Nunca. Mesmo no desfile da Gucci, na tarde de quinta-feira no hotel Diana, o chique mesmo eram o bege, o estampado, o brilho.
Os fashionistas vêm refletindo o que se vê nas passarelas, principalmente depois do verão 2004, quando os estilistas passaram a celebrar cores otimistas, em tons lavados e suaves, ou esfuziantes e fortes. De Missoni a Prada, passando, naturalmente, por Marni e Pucci, as cores são o último grito da moda.
"O preto era forte no passado devido à influência do design modernista", diz Joan Kaner, da Neiman Marcus, num material de apoio às cores da empresa Pantone. "As pessoas já têm quase tudo de preto de que elas precisam em seus armários. Além do mais, vivemos um momento difícil. Roupas coloridas fazem as pessoas se sentirem bem e esquecerem seus problemas, mesmo que apenas por um momento", declara Cindy Weber-Cleary, diretora de moda da revista "InStyle". É, de fato, a era do escapismo,
Para muitos, a atual paixão pelas cores remete a um desejo de expressar, cada vez mais, um estilo pessoal. "Quando todos se vestem de maneira monocromática, seja preto, branco ou cinza, é muito mais difícil mostrar individualidade", aponta o diretor da sofisticada loja de departamentos norte-americana Bergdorf Goodman, Robert Burke. Mais do que isso, querer uma roupa colorida significa comprar roupa nova. E é disso o que o mercado precisa.

Os desfiles de Milão
A temporada internacional de lançamentos de primavera-verão 2005 de Milão termina oficialmente hoje.
A estação começou no início de setembro em Nova York e passou sem maiores brilhos por Londres. De amanhã até o dia 12, os fashionistas se reúnem em Paris para esperar, mais uma vez, pelo novo.
Mas nem sempre ele vem. Os tempos estão bicudos, e apesar da recuperação do mercado de luxo italiano neste ano, pouca gente quer correr riscos. Com exceção da Prada, que mais uma vez deu a cara para bater, em momentos de extrema ousadia, o que se viu foram mais evoluções do que revoluções, em termos de silhuetas, proporções e temas.
Por exemplo, manteve-se a valorização da feminilidade, com babados, fendas e materiais esvoaçantes como o musseline ou o cetim junto ao corpo. Em time que está ganhando não se mexe, e assim prosseguiram tanto a Marni quanto a Pucci. Na primeira, por exemplo, Consuelo Castiglioni celebrou estruturas mais soltas, mais relaxadas, ainda evocando o espírito boêmio, com ênfase na manufatura (o chamado boho-chic foi também a tônica do desfile da Blumarine de Anna Molinari, um dos pilares da temporada milanesa).
O destaque da Marni foi a valorização do natural, do rústico, no styling e em materiais como o algodão e a juta (em lindas saias balonês). O hype da natureza veio também na Prada, inspirada também pelo mundo dos pássaros, em padrões de penas e até em aplicações de cisnes e araras.
Achou meio absurdo? Pois é essa busca pelo único a mesma história que fez muitas grifes procurarem em terras distantes referências para suas coleções. A Prada (impossível não citar mil vezes a mais influente linha da cidade) olhou para a Jamaica, enquanto China, Índia e Marrocos foram citados aqui e ali nas passarelas.
O Havaí de Elvis Presley, por sua vez, virou mote para a D&G, numa simpática e jovial coleção que deverá aportar por aqui, não apenas nas prateleiras da Daslu, mas no novo endereço da dupla Domenico Dolce e Stefano Gabbana, na nova ala do shopping Iguatemi. As mais fofas: microssaias de hula, com ráfia de palha.
Além do étnico, onde mais uma vez Giorgio Armani se esbaldou, os anos 70 continuam em evidência, no espírito de batas e atitudes. Eles aparecem num certo hippismo, na falta de compromisso e approach relaxado de batas e túnicas, e também com força na forma do longo. Esvoaçante quando paz e amor, sofisticado quando focado nas cerimônias de Oscar e Grammy da vida.
O longo é uma das tendências confirmadas pela estação milanesa, adotado pela multicolorida Missoni e também pelo estilista brasileiro Icarius de Menezes, que vem chamando a atenção com seu trabalho de reconstrução à frente da tradicional casa Lancetti e que também acreditou no étnico para esta temporada.
De construção -e de continuidade- é a tarefa do grupo Gucci, após a saída de Tom Ford da companhia, em março último. Pois em seu primeiro desfile à frente do feminino, a estilista Alessandra Fachinetti deixou bem a desejar. Partiu da silhueta sensual e envolvente dos vestidos de cetim de Ford. Mas não inovou, perdendo o foco numa coleção com poucas idéias, em ingratos tons de marrom e gigantescas bolsas de linguagem western.
Ford, ao menos, fazia tudo isso com propriedade. Sua sucessora, aparentemente com receio de ousar, quis dançar na mesma musica, mas flopou. Edição repetitiva e um certo ar de déjà vu frustraram os fashionistas.
Uma constrangedora chuva de purpurina na passarela encerrou a apresentação, com a brasileira Isabeli Fontana desfilando um vestido preto assimétrico, curto na frente, cauda atrás, estrutura de corselet. Belo, mas estranhamente vazio em conteúdo fashion. Desta vez, o povo da moda não tinha exatamente o que comemorar.
(ERIKA PALOMINO)


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