São Paulo, sábado, 3 de outubro de 1998

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Começa a festa canibal

Leonardo Colosso/Folha Imagem
Visitante observa instalação do brasileiro Antonio Manuel, feita com fios de náilon e pedaços de carvão



Abre hoje para o público a 24ª Bienal, que tem como tema a antropofagia e conta com obras de Bacon, Tarsila, Magritte, Van Gogh, Bourgeois e Giacometti


CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

Contaminação, trajetória da cor, papel da Bienal, antropofagia, canibalismo, arte, educação, diplomacia. Esses são alguns dos temas que o curador da 24ª Bienal, Paulo Herkenhoff, discutiu com a Folha ao longo de mais de quatro horas, em duas sessões, e que a Ilustrada começa a publicar hoje, uma vez por semana.

Folha - Qual a prioridade da 24ª Bienal? Dar aula de história da arte, revelar artistas, colocar a arte contemporânea em relevo...? Paulo Herkenhoff - A minha prioridade foi integrar tudo: história da arte, crítica contemporânea, não tratar a história da arte como o espaço das salas especiais. Esta edição da Bienal tem uma peculiaridade. Pela primeira vez se discute uma história da arte brasileira amplamente com obras da arte ocidental. Vamos mostrar um Malevitch perto dos monocromos brasileiros. O Mondrian estará próximo da cor de Oiticica. Uma escultura do José Resende vai estar próxima do Giacometti não para estabelecer uma comparação ou influência, mas para ver como a escultura contemporânea brasileira dialoga com a escultura ocidental. Eu acho que, para o futuro, seria o caso de a Bienal pensar o que ela vai querer. A Bienal pensou muito em seu plano funcional, prático, em sua organização institucional, em sua organização financeira e técnica, mas o momento é para pensar mais profundamente em seu futuro. Será que a Bienal precisa custar mais que a Documenta? Nosso orçamento é de primeiro mundo. Será que ela precisa ter esse peso histórico tão grande para atrair público quando está provado que 30 obras de Monet trazem a mesma visitação que uma Bienal? Qual o sentido da estatística? Não seria preciso adotar um modelo mais contemporâneo, que permita uma relação mais ampla com a arte e que tencione menos a instituição em direção ao passado, ao núcleo histórico? Isso é como negar as possibilidades da arte contemporânea, quando ela é um ato de crença na produção contemporânea. Folha - A ausência de fronteiras e todas essas pontuações que você está fazendo vai criar mais possibilidades de leitura para o evento, de torná-lo mais assimilável? Herkenhoff - Eu tenho a intenção de torná-lo mais legível e assimilável primeiro definindo claramente os partidos curatoriais. Não é preciso ginástica curatorial. Se não é possível ter uma obra ou se ela não cabe na exposição, ela não vem. Ninguém vai morrer por isso. Se, por uma questão conjuntural, não posso discutir o surrealismo com pintura, mas apenas com papel, não vou desconsiderar a opção. A primeira questão é essa clareza conceitual do processo curatorial. A Bienal não é feita por 400 mil visitantes. A Bienal é 400 mil vezes um. Ela não é uma estatística, mas é feita para um. Preferimos fazer uma Bienal menor, que pudesse ser vista em três ou quatro horas. Sabemos que o limite físico e mental para uma visita é esse e que as pessoas geralmente não voltam uma segunda vez. Existe ainda a questão educacional. No momento histórico em que vivemos, não podemos fazer uma Bienal sobre canibalismo para que as pessoas saiam pensando que o índio é um bárbaro. A Cláudia Andujar, por exemplo, está aqui por suas qualidades artísticas, mas também para testemunhar a fragilidade do índio. Eu não vejo nenhum problema em sair da história e da crítica da arte e pensar na inserção social da arte e nos resultados que uma exposição pode ter no processo educacional de massa. Mas também quero que um professor da USP possa vir aqui e encontrar grandes possibilidades de avançar no conhecimento da arte. Folha - As relações com a América Latina se intensificaram? Herkenhoff - Nós temos quatro salas de latino-americanos no núcleo histórico: Reverón, Matta, Siqueiros e Kuitka, além da obra do Torres-García na sala Monocromos. Existe uma perspectiva latino-americana aqui dentro, como ponto de vista do olhar, como latitude, como projeto de vanguardas. Nas representações nacionais, por exemplo, ampliamos o número de latino-americanos, que só é superado pela África. Também fomos atrás dos latino-americanos. Houve um contato muito intenso e poucos casos de reclamação. A América Latina é a região mais ajustada, pois é justamente onde o diálogo foi prioridade e onde as instituições foram muito generosas. Isso deu um trabalho do cão.
Visite a XXIV Bienal de São Paulo


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