São Paulo, sábado, 3 de outubro de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice Começa a festa canibal
CELSO FIORAVANTE da Reportagem Local Contaminação, trajetória da cor, papel da Bienal, antropofagia, canibalismo, arte, educação, diplomacia. Esses são alguns dos temas que o curador da 24ª Bienal, Paulo Herkenhoff, discutiu com a Folha ao longo de mais de quatro horas, em duas sessões, e que a Ilustrada começa a publicar hoje, uma vez por semana.
Folha - Qual a prioridade da 24ª
Bienal? Dar aula de história da arte, revelar artistas, colocar a arte
contemporânea em relevo...?
Paulo Herkenhoff - A minha
prioridade foi integrar tudo: história da arte, crítica contemporânea,
não tratar a história da arte como o
espaço das salas especiais.
Esta edição da Bienal tem uma
peculiaridade. Pela primeira vez se
discute uma história da arte brasileira amplamente com obras da arte ocidental. Vamos mostrar um
Malevitch perto dos monocromos
brasileiros. O Mondrian estará
próximo da cor de Oiticica. Uma
escultura do José Resende vai estar
próxima do Giacometti não para
estabelecer uma comparação ou
influência, mas para ver como a escultura contemporânea brasileira
dialoga com a escultura ocidental.
Eu acho que, para o futuro, seria
o caso de a Bienal pensar o que ela
vai querer. A Bienal pensou muito
em seu plano funcional, prático,
em sua organização institucional,
em sua organização financeira e
técnica, mas o momento é para
pensar mais profundamente em
seu futuro. Será que a Bienal precisa custar mais que a Documenta?
Nosso orçamento é de primeiro
mundo. Será que ela precisa ter esse peso histórico tão grande para
atrair público quando está provado que 30 obras de Monet trazem a
mesma visitação que uma Bienal?
Qual o sentido da estatística? Não
seria preciso adotar um modelo
mais contemporâneo, que permita
uma relação mais ampla com a arte
e que tencione menos a instituição
em direção ao passado, ao núcleo
histórico?
Isso é como negar as possibilidades da arte contemporânea, quando ela é um ato de crença na produção contemporânea.
Folha - A ausência de fronteiras e
todas essas pontuações que você
está fazendo vai criar mais possibilidades de leitura para o evento,
de torná-lo mais assimilável?
Herkenhoff - Eu tenho a intenção
de torná-lo mais legível e assimilável primeiro definindo claramente
os partidos curatoriais. Não é preciso ginástica curatorial. Se não é
possível ter uma obra ou se ela não
cabe na exposição, ela não vem.
Ninguém vai morrer por isso. Se,
por uma questão conjuntural, não
posso discutir o surrealismo com
pintura, mas apenas com papel,
não vou desconsiderar a opção. A
primeira questão é essa clareza
conceitual do processo curatorial.
A Bienal não é feita por 400 mil
visitantes. A Bienal é 400 mil vezes
um. Ela não é uma estatística, mas
é feita para um.
Preferimos fazer uma Bienal menor, que pudesse ser vista em três
ou quatro horas. Sabemos que o limite físico e mental para uma visita é esse e que as pessoas geralmente não voltam uma segunda vez.
Existe ainda a questão educacional. No momento histórico em que
vivemos, não podemos fazer uma
Bienal sobre canibalismo para que
as pessoas saiam pensando que o
índio é um bárbaro.
A Cláudia Andujar, por exemplo,
está aqui por suas qualidades artísticas, mas também para testemunhar a fragilidade do índio. Eu não
vejo nenhum problema em sair da
história e da crítica da arte e pensar
na inserção social da arte e nos resultados que uma exposição pode
ter no processo educacional de
massa.
Mas também quero que um professor da USP possa vir aqui e encontrar grandes possibilidades de
avançar no conhecimento da arte.
Folha - As relações com a América Latina se intensificaram?
Herkenhoff - Nós temos quatro
salas de latino-americanos no núcleo histórico: Reverón, Matta, Siqueiros e Kuitka, além da obra do
Torres-García na sala Monocromos. Existe uma perspectiva latino-americana aqui dentro, como
ponto de vista do olhar, como latitude, como projeto de vanguardas.
Nas representações nacionais,
por exemplo, ampliamos o número de latino-americanos, que só é
superado pela África. Também fomos atrás dos latino-americanos.
Houve um contato muito intenso e
poucos casos de reclamação. A
América Latina é a região mais
ajustada, pois é justamente onde o
diálogo foi prioridade e onde as
instituições foram muito generosas. Isso deu um trabalho do cão.
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