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Eleições, o lado humano -Maluf, Covas
ALBERTO DINES
Colunista da Folha
Voto eletrônico é rápido, fácil
de contar, menos vulnerável à
fraude. Já a campanha eleitoral
eletrônica está longe de significar avanços.
Acabaram os comícios, já não
existem políticos "mitingueiros" (de "meeting", encontro)
capazes de empolgar multidões.
Tudo na base do retrato três
por quatro.
Marqueteiros e maquiladores,
VTs (vídeos) e TPs (teleprompter, câmera que permite a leitura do texto) mecanizaram o
contato entre eleitor e candidatos.
Locutores dos comerciais falam por eles, e o horário eleitoral, que de gratuito não tem nada, converteu-se numa caricatura de democracia.
Tudo é artifício, inclusive os
verbos usados na febre das sondagens de opinião. A noção de
pleito está sendo substituída
pela sensação de corrida, até os
debates são aferidos como páreos nos hipódromos.
Carreatas (neologismo que os
apressadinhos da Academia
não incluíram no novo repertório) converteram-se na janela
humanizadora do processo eleitoral.
Mesmo assim, porque não podem infringir o novo código de
trânsito, os cortejos motorizados exigem que o eleitor converta-se em maratonista para
aproximar-se do eleito.
Apesar de tantos partidos e
facções, no nível da rua, não é a
plataforma ou o slogan do postulante que conquista o cidadão. É a sua pessoa. A palavrinha que diz, o gesto que faz, um
jeito, olhar, sorriso contam
mais do que promessas, retórica, furor.
Nas universidades, política é
ciência, mas no plano cotidiano
-o que vale- política continua sendo um intercâmbio de
afinidades, empatias.
Jornalistas são, mais uma vez,
os privilegiados, porque podem
aproximar-se, sentir e avaliar
os protagonistas. Conheço pessoalmente um monte deles, em
vários estados, tanto nas disputas majoritárias como legislativas, por força da idade -deles
e minha.
Quando era prefeito de Porto
Alegre -e o mais jovem do
Brasil-, Leonel Brizola marcou uma entrevista às 6h da gelada manhã de julho, disse que
era a única hora disponível.
Não apareceu.
Mais tarde foi buscar-me no
hotel para almoçarmos, desfilando comigo de braço dado pela rua da Praia. No início dos
anos 50 isso acontecia.
Miguel Arraes, governador de
Pernambuco, foi ao velho prédio do "Jornal do Brasil" na
avenida Rio Branco para falar
sobre reforma agrária, na solene reunião dos editorialistas.
Veio sozinho, sem gravata, tênis branco, e, embora as Ligas
Camponesas fossem tabu, conquistou a todos com a voz rouca
e mansa.
Num almoço nesta Folha,
Cláudio Abramo apresentou-
me a Fernando Henrique Cardoso, que retornava do exílio. O
professor foi logo convocando:
"Temos muita coisa para falar". Dias depois telefonava do
Cebrap para marcar um almoço.
Não conheço Lula pessoalmente, mesmo assim, quando a
febre denuncista tentou colocá-
lo na vala comum, surpreendi
os colegas, afirmando que é um
cidadão acima de qualquer suspeita. Justamente porque a sua
figura passa-me essa convicção.
Desempregado, colaborando
apenas no "Pasquim", estava às
voltas com a biografia de Stefan
Zweig quando telefona o prefeito Jaime Lerner para sugerir
que o lançamento fosse em Curitiba. Acreditava num livro
que não existia.
César Maia, sempre criativo:
pinçou num texto da revista
"Imprensa" a palavra factóide
e, não obstante a atribuição a
Norman Mailer, nunca deixou
de mencionar-me como fonte.
Generoso, mas injusto com o
romancista norte-americano.
Com Paulo Maluf tudo acontece com os ingredientes característicos de Paulo Maluf, não
há espaço para os imponderáveis das relações humanas.
Conta apenas o seu projeto, as
pessoas existem na medida em
que podem servi-lo. Pitta que o
diga.
Esta Folha recém-começara a
página de opinião, e eu, egresso
dos bastidores das redações,
ainda não afeito à ribalta (embora os articulistas fossem
identificados apenas pelas iniciais), recebi na sucursal do Rio
a visita inesperada do ex- prefeito de São Paulo.
Arrastou-me a um restaurante, queria que eu o conhecesse
melhor. Para meu espanto, começou a pontificar sobre abertura política, democracia, direitos humanos, liberalismo,
cultura.
Não acreditei numa palavra,
porém, por dever do ofício, pedi
a um repórter que o entrevistasse. Maluf, malandro, recusou:
claro, só lhe interessava minha
assinatura no seu "diktat". Assumir, entre aspas, nunca.
Com Mário Covas foi engraçado: início dos anos 80, acabara de mudar-me para São Paulo, trabalhava na Abril, na área
das revistas mensais, encontro
na rua um ex-companheiro da
Folha, assessor do novo prefeito, Mário Covas.
Comentei que São Paulo não
poderia converter-se num centro nacional de cultura se o
Teatro Municipal continuasse
fechado e, o pior, as obras de
restauração sequer iniciadas.
Episódio encerrado, pensei.
Dias depois telefonam do gabinete do prefeito: o próprio queria falar comigo.
O assessor contara as minhas
observações sobre a falta de um
grande teatro público e, durante 15 minutos, mais engenheiro
do que político, Covas explicou
que a casa de espetáculos não
poderia funcionar porque corria o risco de desabar, as obras
não podiam ser anunciadas
porque os estudos não estavam
terminados.
Perguntei por que não dizia
isso aos jornais. Respondeu que
só falaria quando tivesse todas
as avaliações e orçamentos na
mão. Não gostava de falsas expectativas, prometer e não
cumprir. Episódio encerrado,
pensei novamente.
Não conhecia Mário Covas:
dias depois sou convidado ao
gabinete do prefeito (no Ibirapuera) e lá, além dele -a esta
altura meu velho amigo-, encontro o secretário de Cultura,
Gianfrancesco Guarnieri, quatro ou cinco auxiliares do primeiro e segundo escalões.
Desenrolam plantas, mostram laudos, projetam pareceres, exames de madeira, raios-
X, estudos de viabilidade.
No fim, o resto de jornalista
que sobrou em mim ousa perguntar: "Quando é que começam as obras ?"
E lá vem Mário Covas, inflexível e ranheta, repetindo o sermão: "Só começo obra com orçamento na mão e dinheiro em
caixa. Antes, não. Quero salvar
o teatro, não quero fazer teatro". Riu gostosamente. "Esse
cara tem prazer no que faz",
pensei.
Episódio encerrado, calculei,
exausto de tanta obra. No saguão, esperava-me outro capítulo: os repórteres rodearam-
me para perguntar o que havia
acontecido naquela longa reunião.
Foi a primeira e única entrevista coletiva que jamais concedi.
Porque o prefeito da maior e
mais rica cidade do país não
queria falar enquanto não tivesse dados concretos e definitivos.
Quando vou ao Municipal,
em São Paulo, sinto-me meio
dono do pedaço -episódios como esse não se encerram.
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