São Paulo, sábado, 3 de outubro de 1998

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CD é interessante quando se "abrasileira'

da Reportagem Local

Quando promoveu uma batucada -em agosto passado, no Video Music Brasil, da MTV- com sambistas de tradição, Marcelo D2 concretizou o que já vinha prometendo para seu CD solo: samba e rap em doses iguais. A mistura soou inusitada, inovadora.
"Eu Tiro É Onda", gravado antes do episódio, é menos ousado. Balança algo como 90% de rap e 10% de samba e perde a oportunidade de revolver formatos, detendo-se às vezes em rap ortodoxo, à moda dos branquelos Beastie Boys.
Fica mais interessante à medida que se "abrasileira". A opção pelo universo da velhíssima bossa nova resvala numa possível nova -e curiosa- modalidade, a do acid jazz à brasileira.
Assim, "Samba de Primeira" é o achado do CD, com sample de "Tim Dom Dom" (João Mello-Codo) executada pelo brasileiro fajuto Sérgio Mendes e seu Brazil 66.
Aí se evidencia tudo que há de fake em Sérgio Mendes ser brasileiro, em rap ser brasileiro, em Marcelo D2 ser "colonizado". Tudo se une e se molda pelo kitsch, pela inalienável cafonice tropical.
O mesmo acontece em "Batucada", em que As Gatas enobrecem um excerto de "A Batucada dos Nossos Tantãs", do Fundo de Quintal. E nas várias citações à fase "racional" de Tim Maia ("Fazendo Efeito" sampleia "Rational Culture"), o menos (e mais) brasileiro dos pop stars brasileiros.
E no coice nas baixarias de "molhar biscoito" que infestam o pop natal. E na inclusão de diálogos do filme "O Bandido da Luz Vermelha" (68), de Rogério Sganzerla, em "Baseado em Fatos Reais", quando D2 destila sua mágoa com a polícia nativa, assumindo para si epíteto ("jovem criminoso subdesenvolvido") destinado a Luz Vermelha -personagem real tombado com o concurso do caos institucional nacional. É, até que é bastante.
Onde D2 se mostra mais frágil é na insistência -herança do que há de indigente no rap norte-americano- em se autovangloriar. Pode ser tiração de onda, mas cansa a recorrência de bravatas do tipo "o melhor do hip hop desde 1967".
Unida ao orgulho pelo desconhecimento de música, a gabolice trai um traço do atual pop nacional, capaz de unir numa canoa só opostos tão opostos quanto Carlinhos Brown e Racionais MC's, tanto quanto o próprio D2: o culto à preguiça em estudar -no limite, à ignorância. Assim o Brasil desce de enxurrada ao quarto mundo.
Mas, bem, D2 e seu "Eu Tiro É Onda" não celebram a ignorância, afinal. Há muito a favor: o respeito aos ancestrais musicais, o confronto esperto entre tradição e "modernidade", a crítica social, o cuidado extremo de produção. Bem no meio do caminho, D2 tem estrada pela frente. (PAS)
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Disco: Eu Tiro É Onda Artista: Marcelo D2 Lançamento: Chaos/Sony Quanto: R$ 18, em média


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