São Paulo, sábado, 03 de novembro de 2007

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Crítica/"O Dia Mastroianni"

Em obra promissora, Cuenca leva os clichês à saturação

Depois de boa estréia, escritor continua a utilizar referências pop em narrativa

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O Dia Mastroianni", de João Paulo Cuenca, conta algumas horas das peripécias de Pedro Cassavas, o narrador de boa parte do romance, e Tomás Anselmo entre bebidas, mulheres, conversas e encontros com figuras como o sr. Mxyzptlk, velho escritor melancólico com um problema bem delicado de saúde (e a referência aqui, como em outros momentos, é a cultura pop: Mxyzptlk é um dos vilões mais divertidos das histórias do Super-Homem, um duende de outra dimensão que consegue alterar a realidade...).
À narrativa propriamente dita, alterna-se uma espécie de entrevista/tortura com o escritor-personagem na qual uma mistura de crítico, editor, revisor e reflexo do autor fictício põe em questão os eventos que vão sendo apresentados. Responsável por alguns dos momentos mais engraçados da obra, é essa entidade, por outro lado, que expõe, quase como um irônico pedido antecipado de desculpas, o que poderia ser o principal problema do volume: "Estamos cansados de narrativas que se curvam sobre si mesmas escritas por narradores autoconscientes em crise.
Essa interminável fuga de espelhos... Artifícios ultrapassados de metalinguagem!".
Como diz a orelha, "O Dia..." é um romance dos "clichês de uma geração que, por tanto temer os lugares-comuns, acaba confundindo-se inapelavelmente com eles". O problema é que fazer clichê do clichê também já virou um lugar-comum e o mero embate engraçadinho entre o perambular da dupla de protagonistas e o questionário corrosivo tenderia ao vazio se o autor não tivesse criado um outro giro no parafuso com seu último capítulo, no qual esse anulamento é redimensionado. Ali, um narrador em terceira pessoa assume o comando e, numa superposição de registros bastante elaborada, que leva à saturação máxima todos os personagens que encontráramos até então, tudo implode, inclusive o clichê do clichê.
Com "O Dia Mastroianni", Cuenca supera o desafio de escrever o sempre complicado segundo livro depois de uma estréia promissora ("Corpo Presente", ed. Planeta). É, ao que tudo indica, um autor que vale a pena acompanhar.


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

O DIA MASTROIANNI
Autor: João Paulo Cuenca
Editora: Agir
Quanto: R$ 34,90 (216 págs.)
Avaliação: bom



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