São Paulo, terça-feira, 03 de novembro de 2009

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33ª MOSTRA DE SP

Crítica/"Seguindo em Frente"

Sem pieguice, drama japonês acompanha ciclos da vida

Diretor Hirozaku Kore-eda mostra família que se reúne para lembrar o filho morto

BRUNO YUTAKA SAITO
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Os personagens de "Seguindo em Frente" parecem ter memória curta. Há sempre alguma coisa da qual eles não se lembram.
Quem ensinou aquela receita estranha com milho? Quem explicou a origem das borboletas amarelas? Como é mesmo o nome daquele lutador de sumô? Não importa. Eles vão seguindo a tradição, mesmo que nem se lembrem mais dos motivos. Quando o assunto são essas pequenas coisas do dia a dia, eles vão tocando suas vidas.
A memória da família deste drama do japonês Hirozaku Kore-eda, no entanto, não falha quando se trata do primogênito Junpei. Há 15 anos ele morreu afogado quando salvou um garoto no mar. Todos os anos eles se reúnem para rezar e prestar tributo ao filho mais querido. É a única ocasião, além do Ano Novo, em que se reúnem na casa dos pais idosos.
É o momento mais temido por Ryota (Hiroshi Abe), o outro filho homem. Ele parece carregar o peso do mundo nas costas e é quase um pária para o rigoroso pai, o médico aposentado Kyohei (Yoshio Harada).
Ryota vive na sombra do irmão. Sua vida parece ser um eterno pedido de desculpas por não ter sido ele o filho morto.
Ele não tem emprego estável -pecado mortal no Japão representado pelos pais. E ele é casado com mãe viúva - "quando você vai ter um filho de verdade?", ouve da família.
Basta esta breve descrição da trama para perceber que "Seguindo em Frente" tem fortes ligações com o cinema de Yasujiro Ozu (1903-1963), também referência para outra atração da mostra, o francês "35 Doses de Rum", de Claire Denis.
Aos elementos típicos de Ozu (dramas familiares, a tradição em choque com a modernidade, interiores de casas, trens etc.), Kore-eda impõe sua temática autoral.

Fluxo
Como é a vida depois de uma grande perda? É a pergunta que Kore-eda tem levantado desde "Maborosi" (1995), filme que o revelou para as plateias ocidentais. Junpei, o filho morto, não aparece em "flashback", mas ele está em cada cena, é ele quem rege os personagens.
Com "Seguindo em Frente", Kore-eda chega a um tal nível de depuração na construção de personagens e do roteiro que parece que estamos assistindo à própria vida em fluxo, e não a um filme projetado na tela.
A mãe, Toshiko (Kirin Kiki), é a personagem mais assustadora do filme, apenas pelo fato de ser surpreendentemente humana, como fica claro no desenrolar da cena chave, quando a família recebe o hoje jovem que foi salvo do afogamento por Junpei.
Pois não há uma "grande" história sendo contada aqui.
Este é o mesmo território das reuniões familiares que participamos desde criança, inicialmente como netos, e depois como pais. Entre risos, afetos e muita comida, todos falam sobre pequenas coisas, reparam o quanto aquela sobrinha cresceu. Mas, após uma palavra errada dita, aqui e ali ressentimentos ressurgem lá das entranhas. Dá um nó na garganta.


SEGUINDO EM FRENTE
Quando:
hoje, às 14h, no Multiplex Marabá 2 (classificação: livre)
Avaliação: ótimo



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