São Paulo, sábado, 4 de janeiro de 1997.

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Thomas Pynchon vive anônimo em Manhattan

Revista ``New York'' descobre endereço do mais famoso recluso literário norte-americano cruzando dados pela Internet; o autor de ``Vineland'' e ``Gravity's Rainbow'' mora em meio aos 8 milhões de habitantes de Nova York há seis anos e ainda não quer conversa

NANCY JO SALES
da ``New York''

Thomas Pynchon sai do edifício onde mora, em Manhattan, usando jeans e sapatos confortáveis. Parece muito mais velho do que suas fotos, é claro -afinal, a última que alguém viu foi tirada em 1955, quando estava na Marinha.
Ele terá 60 anos em 1997; seu cabelo, que usa comprido, está grisalho; a barba e o bigode, brancos. Parece que seus famosos dentes tortos foram consertados. Usa óculos. Seus olhos, que naquelas poucas fotos tiradas anos atrás estavam na sombra, são azuis.
Thomas Pynchon caminha por uma rua de Nova York em plena luz do dia. Tem um ar cauteloso e levemente excêntrico, dando a impressão de ser alguém com quem seria divertido conversar -mas ele não quer conversa, é claro.
Há seis anos, Thomas Pynchon, o mais famoso recluso literário de nossa era, vive abertamente numa cidade de 8 milhões de habitantes e passa despercebido. Pergunte às pessoas que vivem no bairro de Pynchon onde ele se esconde e você ouvirá respostas variadas.
Desde 1963, quando foi publicado o primeiro romance de Thomas Pynchon, ``V.'', o escritor -considerado por muitos o mais importante romancista norte-americano desde a 2¦ Guerra Mundial- se transformou numa figura quase mítica, uma espécie de cruzamento entre o Professor Aloprado (aquele representado por Jerry Lewis) e Caine em ``Kung Fu''.
Já houve outras instâncias em que Pynchon foi avistado, antes desta, mas sempre abundaram teorias malucas aventadas tanto por fãs amalucados quanto por estudiosos sérios de sua obra.
Já foi dito que Thomas Pynchon é, ``na realidade'', J.D. Salinger; que atravessa o país de ônibus, espalhando pistas de sua identidade, e até mesmo que ele já se fez passar por uma mulher sem teto e de tendências literárias, que escreve cartas para um obscuro jornaleco do norte da Califórnia.
Chegou a circular um boato -objeto de acaloradas discussões na Internet- dando conta de que Pynchon seria o Unabomber (terrorista contra a tecnologia).
Nos anos 70, depois do lançamento do espantosamente brilhante e complexo ``Gravity's Rainbow'' -possivelmente o menos lido dos livros de leitura obrigatória na história norte-americana-, Thomas Pynchon virou tema ``quente'' em termos de mídia. Algo que é praticamente um subgênero da escola do novo jornalismo surgiu em torno dele.
Em 1990, quando saiu o mais recente dos livros de Pynchon, ``Vineland'', outra leva de artigos foi publicada, todos especulando sobre onde se encontraria o chamado Homem Invisível.
A ``New York'' levou apenas dez minutos para encontrar o endereço do escritor num serviço on line de acesso aberto, que faz o cruzamento de números telefônicos e de cartões de crédito.
Na introdução a ``Slow Learner'', livro com alguns de seus primeiros contos, Pynchon observou que ``ingressamos recentemente numa era em que (...) todos podem compartilhar uma quantidade inconcebivelmente grande de informações, bastando para isso digitar algumas teclas em um terminal''.
Com apenas alguns toques em um teclado, a ``New York'' pôde descobrir que o bairro onde Thomas Pynchon vive é próspero e movimentado, com fácil acesso pelo metrô. Próximo a seu edifício há uma loja de departamentos de preços baixos, uma loja de ``bagels'', uma igreja e uma quitanda.
O edifício em si é imponente, mas suas paredes estão um pouco sujas. Um porteiro de uniforme amassado passa os dias sentado numa cadeira dobrável na entrada do edifício, observando a passagem dos transeuntes pela rua. Os vizinhos de Pynchon são pessoas de idades e raças diferentes.
O bairro é um exemplo de Nova York em seus melhores aspectos: tolerante, sã, vivível. É uma cidade que quase consegue nos fazer crer no mito americano mais amplo, aquele do qual Pynchon, em sua ficção, nos aconselha a desconfiar: de que tudo vai bem no mundo.
Pynchon nasceu em Glen Cove, Long Island, filho de um superintendente de rodovias. Aos 16 anos, entrou na Universidade Cornell. Entre 1955 e 1957 Pynchon serviu na Marinha, tendo integrado a 6¦ Frota, que patrulha o mar Mediterrâneo. Ali conheceu Malta, que é o pano de fundo de ``V.''.
Depois de diplomar-se em língua inglesa em Cornell, em 1958 (começou por estudar física), Pynchon voltou a Nova York e viveu no cenário beatnik.
Pynchon atingiu a maioridade na época dos processos macartistas, e ``V.'' foi publicado no ano do assassinato de John Kennedy.
``Pynchon escreve, numa espécie de código, sobre o crescente papel do governo na subjugação do indivíduo ao Estado'', diz Charles Hollander, estudioso independente de Pynchon. ``Ele e seus escritos são camuflados porque ele teme o poder do Estado.''
Jules Siegel, seu colega de classe em Cornell, conta que perguntou a Pynchon: ``O que você tanto teme? Você não percebe que seus escritos podem te livrar de praticamente qualquer problema?'' Mas, na época, Pynchon parecia não estar disposto a aceitar a idéia de que o poder da celebridade pudesse funcionar como salvaguarda contra o governo.


Tradução de Clara Allain

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