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MITOS
Mastroianni encontra Gassmann
Folha Imagem
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Vittorio Gassmann e Stefania Sandrelli no filme "Nós que nos Amávamos Tanto"
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do "El País"
Em setembro do ano passado,
três meses antes de morrer, Marcello Mastroianni se reuniu com
outro importante ator italiano,
Vittorio Gassmann, no Grand Hotel de Roma.
Juntos, deram uma entrevista de
três horas para o fundador do diário romano "La Repubblica", o
jornalista Eugenio Scalfari.
Leia abaixo trechos da reportagem. Foi uma das últimas de que
Mastroianni participou. O ator
morreu no dia 19 de dezembro, em
Paris, aos 72 anos.
Eugenio Scalfari - Quando decidiram ser velhos?
Marcello Mastroianni - Decidir?
Isso não se decide, acontece quando a gente menos espera.
Em um determinado momento,
você começa a ser chamado de
"senhor". E pergunta: "Senhor
por quê?". E as pessoas respondem: "É um sinal de respeito". E
o que você tem vontade de responder é: "Senhor é a sua mãe".
Então você percebe que algo
aconteceu, que alguma coisa mudou. Pode ser alguma parte da engrenagem que já não funciona como antes, talvez seja uma ruga em
volta da boca ou no meio da testa.
Talvez uma forma diferente de
olhar para as mulheres, uma forma mais suave, menos agressiva.
Vittorio Gassmann - Você percebeu, Marcello, que, depois de ter
sido durante anos o mais novo do
elenco, de repente, em coisa de seis
meses, passa a ser o mais velho?
E é então que compreendemos
que, desse momento em diante,
será sempre assim. Você passa a
ser o mais velho, e os outros o
olham com respeito.
Os jovens passam a ter um pouco
de compaixão por você, um sentimento um pouco protetor; parece
que têm vontade de mandá-lo dormir cedo, por medo de que você se
canse, ou talvez porque eles já se
cansaram de você.
Mastroianni - É verdade, é isso
mesmo. Com as mulheres, é muito
mais fácil de perceber. De repente,
elas se tornam maternais.
Gassmann - Às vezes é uma vantagem.
Mastroianni - É, não vou dizer
que não. Quando era jovem brincava de ser criança, mas depois, de
uma hora para outra, era fácil virar
um amante ardente.
Agora são elas que querem nos
proteger, e a gente acaba dormindo, bem feliz, talvez com um pouco de saudade... Não sei se elas ficam felizes assim...
Gassmann - Até os filhos adotam
uma atitude protetora.
Mastroianni - Quando estou com
minha filha e vamos atravessar a
rua, ela pega a minha mão...
Gassmann - Às vezes, todo esse
respeito à minha volta me parece
um insulto.
Scalfari - Atualmente, vocês representam com frequência papéis
de velhos. A peça de teatro que você, Mastroianni, está interpretando trata desse tema: um pai cujo
filho o interna em um asilo, um pai
orgulhoso, voluntarioso e também
um pouco maligno...
Mastroianni - É, sem dúvida,
um pai desesperado. Veja, na primeira vez que representei esse papel, fiz uma maquiagem de velho,
pintei o cabelo de branco, marquei
mais as rugas...
Na segunda vez, pensei: o que
você está fazendo? Está se maquiando de velho? Mas, se você
tem 72 anos, não tem a menor necessidade de maquiagem.
Scalfari - E você, Gassmann? No
filme de Ettore Scola, "A Família",
seu papel era o de um velho furioso e bastante triste. Qual foi o efeito que lhe causou esse personagem?
Gassmann - Nenhum efeito especial. Para um ator, o papel faz
parte da sua profissão -entra nele
e depois sai dele com naturalidade.
Mastroianni - Muito bem, Vittorio, é exatamente isso.
Não aguento essas histórias dos
atores que estudam o papel durante muitos meses para poder se
identificar com o personagem, para se impregnar dele, e que, algumas vezes, vão para um convento,
engordam ou emagrecem para se
adaptar melhor à situação.
Robert de Niro, por exemplo,
com essa história de viver o personagem a fundo, acabou se transformando em uma fábula e, com
ela, ganha um montão de dinheiro.
Não sei, isso não acontece comigo. Falo em voz alta, estudo o
script um par de dias e pronto.
Ainda me lembro de você, Vittorio, representando Hamlet: "Ser
ou não ser...", declamava com essa sua voz grave e um pouco sonhadora. E, depois, quando entrava na coxia, gritava com o técnico:
"Você aí, olhe essas luzes! Não está vendo que estão um lixo?".
Gassmann - Pode parecer estranho, mas é assim mesmo. O ator é
como uma caixa vazia -e quanto
mais vazia estiver, melhor.
O ator interpreta um personagem, e essa caixa se enche. Depois,
termina o trabalho, e a caixa fica
vazia. Uma vez me contaram que,
quando Gary Cooper era muito jovem, estava olhando fixamente
para o vazio, em silêncio.
A mãe dele chegou perto e lhe
perguntou: "O que está pensando?". E ele respondeu: "Não estou pensando absolutamente nada". E a mãe disse: "Então você
será um excelente ator".
O ator não deve ser culto e nem
sequer inteligente. Acho que deve
ser até um pouco tonto. É, é isso,
quanto mais tonto, melhor.
Scalfari - Queria voltar a falar de
mulheres. Como vocês tiveram
muitas, também devem ter terminado inúmeros relacionamentos.
São capazes de terminar um relacionamento com facilidade?
Mastroianni - Nada disso. Se
fosse por mim, nunca romperia
com ninguém.
Scalfari - Mas isso significa afundar num mar de mentiras.
Mastroianni - Um oceano de
mentiras. Mentiras boas, é claro
-como pensar que, sem mim, ela
vai viver mal, que não será bastante amada, nem estará bem protegida, e que, portanto, minha obrigação é preservar esse relacionamento custe o que custar.
Gassmann - Para mim, as separações também foram difíceis, dificílimas, sempre tentei fazer com que
fosse ela a que terminasse a relação. Pelo menos a gente tem menos responsabilidade, fica com
menos complexo de culpa. Se fosse
possível viver na mais completa
inocência...
Mastroianni - E por muito tempo...
Gassmann - Talvez fundando
uma residência, uma casa de repouso, para velhos atores e velhos
diretores, para poder conversar
um pouco sobre as nossas coisas...
Scalfari - E quem convidariam
para essa casa de repouso? Quem
são seus amigos?
Gassmann - Bem, começaria
por Vittorio de Sica.
Mastroianni - E Fellini.
Gassmann - Gostaria de convidar
John Barrymore, Charles Laughton, Lawrence Olivier...
Mastroianni - E também Cary
Grant, Gary Cooper, Clark Gable...
Scalfari - Convidariam Marlon
Brando?
Gassmann - Melhor não. É uma
casa de repouso.
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