São Paulo, sábado, 04 de janeiro de 2003

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"CAMINOS DE EVA"

Organizado pelo jornalista Amir Valle, volume apresenta 22 contos escritos por autoras do país

Vozes femininas desenham a Cuba atual

Evelson de Freitas/Folha Imagem
Susana Haug, que integra a coletânea "Caminos de Eva", e Nelton Prez, autores cubanos


FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Voces desde la Isla." Vozes que vêm da ilha. Este é o subtítulo da antologia "Caminos de Eva" (Caminhos de Eva), que reúne contos escritos por 22 autoras cubanas de hoje e reunidos pelo jornalista e escritor Amir Valle.
O volume faz parte da coleção Cultura Cubana, coordenada por Valle e publicada pela editora porto-riquenha Plaza Mayor. A coletânea foi lançada no mês passado na Feira Internacional do Livro de Guadalajara, no México, que teve Cuba como país homenageado do evento.
Autor premiado de ensaios e textos de ficção, tendo conquistado recente êxito na Europa, Valle, 35, tem se dividido entre a dedicação diária a seus escritos e a divulgação da literatura de seu país.
Antes do trabalho na Plaza Mayor, que desenvolve a partir de Havana, onde vive, colaborou com a Casa de las Américas e com o Instituto Cubano del Libro. Informalmente, também responde a consultas sobre autores cubanos por e-mail.
É assim, como apaixonado pelas letras cubanas, que desde os 18 anos Valle vem organizando diversas antologias, uma das quais "Nós que Ficamos", editada com a peruana Jacqueline Schor, no Brasil, pela Nobel, em 2001.

Diversidade temática
Tantos anos de experiência não facilitaram a tarefa de selecionar autoras para "Caminos de Eva", como explica Valle à Folha, em entrevista por e-mail.
"Foi difícil deixar de fora várias escritoras. São muitas, e de muito boa qualidade. Para você entender, basta pensar que no meu país, hoje, escrevem cinco gerações de escritores, e somente selecionei autoras que começaram a escrever no período revolucionário, ou seja, de 1959 até hoje."
Por conta da abundância, Valle já prevê, para o final de 2003, "Caminos de Eva Voces Más Allá del Mar", com textos de cubanas que vivem em outros países.
Para ele, a quantidade é resposta de outro grande número: o de mecanismos de incentivo à leitura e produção. "É certo que falta alguma independência e que esses projetos respondem a uma estratégia estatal demasiadamente rígida, muitas vezes politizada. Mas ela cria as bases para o fomento das letras."
Valle diz que um de seus critérios principais ao organizar o livro foi retratar a diversidade da literatura feminina cubana, que se faz notar mesmo dentro desse período limitado. "Os temas, do mesmo modo que as tendências estilísticas, são muito variados. Quem quer que leia a antologia não poderá chegar a outra conclusão", diz. É verdade.
No volume, que se abre com o intrigante relato psicológico "El Gobelino", de Maria Elena Llana, há lugar mesmo para uma literatura fantástica que nada tem a ver com Cuba, e sim com a cultura celta, em "El Druida", de Gina Picart ("Pareceu-me injusto que essa tendência não estivesse representada, pois há muitos bons cultivadores na narrativa cubana atual").
O experimentalismo da linguagem também surge, em "Tele Gráfica", de Ana Luz García, e "El Cazador de Signos", de Felicia Hernández. Ana Lydia Vega, uma das autoras mais conhecidas de Cuba e personagem de outro texto da coletânea, comparece com o breve (e ótimo) "Billetes Falsos".
O último conto, "Alguien Rompió los Silencios", é de Susana Haug, a mais jovem autora representada e uma das revelações do volume. Uma das grandes apostas de Valle, Haug estreou na literatura aos 13 anos, em 1996, e já publicou três livros. A escritora também faz parte da coletânea lançada pela Nobel.
A maioria dos contos tem protagonistas mulheres. Entretanto escapam bravamente aos clichês que insistem em se amarrar sob um certo rótulo de "literatura feminina".
Tampouco se refletem nos escritos chavões sobre o cotidiano da ilha. Sim, um fala de cubanos clandestinos em Miami; noutro, estimamos o valor que pode ter um vidrinho de xampu onde bens são racionados.
No entanto nunca tais aspectos se tornam o tema "em si": no geral, ladeiam anseios que poderiam vir de Cuba como de qualquer outro lugar.
Para o leitor não-cubano, o maior mérito de "Caminos de Eva" é abrir um panorama tão amplo e desmistificar idéias preconcebidas sobre sua origem.
"Se eu tivesse que definir uma temática de fundo em todas essas autoras, e em outras não incluídas, não poderia. Ainda que algo as unifique: uma busca ontológica, mediante o contraponto entre seu mundo interior, suas verdades, e o mundo exterior, a realidade, as verdades do outro", conclui Amir Valle, comprovando que os motores centrais da literatura desconhecem procedência. (FRANCESCA ANGIOLILLO)


CAMINOS DE EVA: VOCES DESDE LA ISLA. Coletânea de contos de 22 autoras cubanas (264 págs). Organização: Amir Valle. Editora: Plaza Mayor. Quanto: US$ 14,95 (cerca de R$ 52,50 mais custos de envio; o livro pode ser adquirido pelo e-mail: ventas@editorialplazamayor.com).


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