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"COM UMA PERNA SÓ"
Autor narra sua recuperação de uma lesão na perna
Prolixidade vira inimiga das boas idéias de Oliver Sacks
JESUS DE PAULA ASSIS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Com uma Perna Só" é o resultado do trabalho de seis
editores. Eles tiraram 90% de um
texto com 300 mil palavras, que
ainda assim é prolixo e repetitivo.
A sinopse: caminhando em um
lugar ermo na Noruega, Oliver
Sacks cai e tem seu quadríceps
(grande músculo da parte anterior da coxa) esquerdo seccionado. É levado para um hospital em
Londres e operado. A cirurgia vai
bem, mas ele não sente a perna.
Até que ele retome a confiança de
que voltará a senti-la, passam-se
18 dias. Depois de um mês em
uma casa de repouso, está bem.
Para descrever a idéia da ausência da perna, ele repete à exaustão
termos como alienação, abandono, inexistência, fantasma, abismo, lugar nenhum etc. E tudo isso
lhe causa impressões medonhas,
aterrorizantes, insondáveis etc. E
desfilam nas páginas citações da
Bíblia, Goethe, Beckett, Einstein,
Mendelsohn, Galileu, Donne,
Eliot, Planck, Mozart, William
Harvey, Wittgenstein, o doutor
Johnson e mesmo um remoto São
João da Cruz, sem falar nos especialistas óbvios: Freud, Charcot e
Luria (a quem o livro é dedicado).
Por vezes o problema da recuperação é descrito em frases como
"Talvez fosse necessário haver,
antes disso, escuridão e silêncio
infinitos. Talvez esse fosse o útero,
o útero-noite no qual a vida é criada". Útero-noite?
Tudo poderia ser resumido em
"quando existe uma lesão de um
nervo -ou de uma ramificação
desse nervo-, perde-se não apenas a sensibilidade, mas a própria
noção da existência do membro
afetado". E ponto.
Como sempre, a prolixidade é
inimiga do leitor e das boas idéias
do autor. E há boas idéias, é verdade, dispersas nas pouco mais de
200 monocórdicas páginas.
Quanto à lesão neural, o que há
para ser dito é o pouco que está
acima. Quanto à condição de paciente, talvez a contribuição mais
importante do livro, Sacks aborda
o problema da coisificação das
pessoas em um hospital.
Não estão apenas doentes e incapacitadas temporariamente para o mundo. Estão sujeitas a regras, a horários, à perda completa
da privacidade e são forçadas a
abandonar os hábitos que fazem
da vida uma experiência individual, para se adequarem às rotinas do ambiente, a começar pelo
ridículo roupão aberto na parte
de trás que todo ex-hospitalizado
odeia. Tudo o que o paciente pode
fazer é ser paciente, contar com a
condescendência dos funcionários sempre muito ocupados que
passam rapidamente pela enfermaria onde ele jaz impotente.
Mas, infelizmente, veicular
emoções é coisa para ficcionistas
bons. Aos cientistas, resta descrever o melhor que puderem a diversidade das experiências. Já a
autodescrição envolve o domínio
de um talento diferente. Sacks
apenas se estende em torno de um
assunto, sem transmiti-lo ao leitor. De pouco servem citações e
notas de rodapé, características
do texto científico. É preciso arte.
Com uma Perna Só
Autor: Oliver Sacks
Editora: Companhia das Letras
Quanto: a definir (209 págs.)
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