São Paulo, sábado, 04 de janeiro de 2003

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"CANTO DE PÁGINA: NOTAS DE UM BRASILEIRO ATENTO"

Obra de Sarney fica em pé na estante

RONALDO COSTA COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Junho de 1997. Lula chora em reunião do PT. Magoado, diz que "criaram a segunda Miriam Cordeiro" ao comparar denúncia de envolvimento dele em irregularidades com a atuação de ex-namorada na campanha de Collor em 1989.
Ótimo gancho, tema forte. Sarney percebe e escreve "A Lula o que é de Lula", crônica de 13 de junho de 1997. Defende Lula, pede que respeitem a história de vida dele. Trecho: "O PT foi sempre muito duro comigo e muitas vezes teve uma leitura errada de meu governo que, diga-se de passagem, foi o período que abriu espaços para ele crescer. O partido disputou a Presidência, quase chegando lá, com um candidato ao qual, por mais que dele discordassem, ninguém podia negar a biografia extremamente comovente de um retirante do Nordeste, [..." que, pelas suas qualidades de liderança, assumiu uma posição de comando do movimento trabalhista: Luiz Inácio Lula da Silva".
"Canto de Página: Notas de um Brasileiro Atento" reúne 107 textos de José Sarney publicados de 1996 a 1998, às sextas-feiras, na Folha. Visão e pensamento dele sobre política, jornalismo, literatura. Do trivial variado às virtudes, perigos e males da globalização. Neoliberalismo, Lula, papa, ovelha Dolly e vasto etc.
Linguagem leve, concisa, clara. O autor vive dizendo que um texto nunca fica pronto. Redige, corta, desbasta, reescreve, mede, lixa, lustra, enfeita. Entrega no limite do prazo e fica para sempre com a sensação de que não acabou de acabar. Um perfeccionista.
Olhar jornalístico, voltado para o presente. Mais para a árvore do que para a floresta. Visão brasileiríssima, mas não xenófoba. Obra de escritor-jornalista que atenta aos Brasis e ao mundo e tem quase 50 anos de janela e de palco do poder. Inclusive no principal, como protagonista e como coadjuvante. Deputado estadual e federal, governador, senador, chefe de estado e de governo, presidente do Congresso, leitor ladino de almas e de interesses.
Literatura no jornalismo? Ele garante que dá e aponta provas. Como a "Coluna do Castello", do prodígio Carlos Castello Branco, o Castellinho (1920-93). "O Castello fazia textos literários sobre política todos os dias."
Sarney sabe espremer idéias e fatos relevantes nas linhas do seu canto. Dom para criar e escrever que deu "Saraminda" (2000), considerado pelo mestre Carlos Heitor Cony "um dos romances mais bem estruturados e narrados da ficção contemporânea".
Por que o livro? Sarney: "Machado de Assis dizia que os artigos que a gente não reúne em livro somem. Conforme o Josué Montello, tem de ser livro que fique em pé na estante".
Pena que "Canto de Página" não chegue a 2002. Destaque no gênero, tem dois irmãos do mesmo autor: "Sexta-feira, Folha", de 1994, e "A Onda Liberal na Hora da Verdade", de 1999. Os três param em pé.


Ronaldo Costa Couto é escritor e doutor em história pela Sorbonne (França)

Canto de Página: Notas de um Brasileiro Atento
    
Autor: José Sarney
Editora: Arx
Quanto: R$ 29 (240 págs.)



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