|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"O ESCRITOR E SEUS FANTASMAS"
Reflexões do autor argentino sobre a literatura ganham edição brasileira
Ernesto Sabato se declara ao ofício literário
FRANCESCA ANGIOLILLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Há muito que Ernesto Sabato já não dá entrevistas.
Grande parte do que se poderia
perguntar ao autor argentino, porém, está respondido em "O Escritor e Seus Fantasmas", que chega às livrarias neste mês.
O próprio Sabato resume o espírito do volume, na introdução à
primeira edição, de 1963: "Este livro se constitui de variações em
torno de um único tema, o que
tem me obcecado desde que comecei a escrever: por que, como e
para que se escrevem ficções? Inúmeras vezes formulei para mim
mesmo essas perguntas, ou elas
me foram formuladas por leitores
e jornalistas".
À primeira vista, as "respostas",
sob a forma de notas, ensaios e citações, parecem não seguir ordem rígida. Mas logo se percebe
que os temas se encadeiam segundo uma lógica própria, ainda que
sem divisão explícita.
Sabato se aferra às suas crenças,
como quando o autor, apesar de
ter sido militante de esquerda na
juventude, refuta a politização da
literatura. Ou quando não aceita a
defesa de uma literatura genuinamente nacional, outro grande assunto do período, e argumenta
com escritos sobre a identidade
fragmentada da Argentina que até
hoje continuam válidos.
O leitor afeito à obra de Sabato
reconhecerá vozes por ele emprestadas a personagens como
Juan Pablo Castel, de "O Túnel"
(1948). Elas falam, por exemplo,
da descrença na capacidade da
crítica e da "implicância" com o
gênero policial, que o autor identifica como expoente de uma literatura de intriga, em oposição
àquela na qual tramas valem menos do que questões metafísicas.
Mais do que comprovar a coerência do escritor, essas coincidências entre ficção e não-ficção
apontam para o que seria o tema
do livro: a defesa da presença da
pessoa do escritor em sua obra,
contra uma objetividade radical.
Para Sabato, a busca da razão
pura e do distanciamento na ficção é impossível. Seu alvo maior
se representa, de forma genérica,
nos defensores do então nascente
nouveau roman (novo romance)
e, especificamente, na figura do
maior teórico do movimento
francês, Allain Robbe-Grillet.
É a respeito do autor de "O Ciúme" um dos textos mais contundentes do livro. No entanto é também em momentos como "As
Pretensões de Robbe-Grillet" que
o livro parece datado -e aqui cabe um reparo à edição: mais notas
dariam conta de contextualizar
seu pensamento, minimizando
essa impressão.
Reparos à parte, porém, "O Escritor e Seus Fantasmas" é uma
declaração de amor ao ofício e interessará a um público maior do
que o dos amantes da obra de Sabato: suas reflexões têm o poder
de tocar a qualquer um que se debruce sobre o fazer literário. Em
especial, sensibilizará os que desejam escrever ficção: estes certamente se sentirão acolhidos ao ver
que os fantasmas que os assombram também rondam autores
consagrados.
O Escritor e Seus Fantasmas
Autor: Ernesto Sabato
Tradutor: Pedro Maia Soares
Editora: Companhia das Letras (0/xx/
11/3167-0801)
Quanto: preço a definir (204 págs.)
Texto Anterior: "Canto de página: Notas de um brasileiro atento: Obra de Sarney fica em pé na estante Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|