São Paulo, sábado, 04 de janeiro de 2003

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"O ESCRITOR E SEUS FANTASMAS"

Reflexões do autor argentino sobre a literatura ganham edição brasileira

Ernesto Sabato se declara ao ofício literário

FRANCESCA ANGIOLILLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Há muito que Ernesto Sabato já não dá entrevistas. Grande parte do que se poderia perguntar ao autor argentino, porém, está respondido em "O Escritor e Seus Fantasmas", que chega às livrarias neste mês.
O próprio Sabato resume o espírito do volume, na introdução à primeira edição, de 1963: "Este livro se constitui de variações em torno de um único tema, o que tem me obcecado desde que comecei a escrever: por que, como e para que se escrevem ficções? Inúmeras vezes formulei para mim mesmo essas perguntas, ou elas me foram formuladas por leitores e jornalistas".
À primeira vista, as "respostas", sob a forma de notas, ensaios e citações, parecem não seguir ordem rígida. Mas logo se percebe que os temas se encadeiam segundo uma lógica própria, ainda que sem divisão explícita.
Sabato se aferra às suas crenças, como quando o autor, apesar de ter sido militante de esquerda na juventude, refuta a politização da literatura. Ou quando não aceita a defesa de uma literatura genuinamente nacional, outro grande assunto do período, e argumenta com escritos sobre a identidade fragmentada da Argentina que até hoje continuam válidos.
O leitor afeito à obra de Sabato reconhecerá vozes por ele emprestadas a personagens como Juan Pablo Castel, de "O Túnel" (1948). Elas falam, por exemplo, da descrença na capacidade da crítica e da "implicância" com o gênero policial, que o autor identifica como expoente de uma literatura de intriga, em oposição àquela na qual tramas valem menos do que questões metafísicas.
Mais do que comprovar a coerência do escritor, essas coincidências entre ficção e não-ficção apontam para o que seria o tema do livro: a defesa da presença da pessoa do escritor em sua obra, contra uma objetividade radical.
Para Sabato, a busca da razão pura e do distanciamento na ficção é impossível. Seu alvo maior se representa, de forma genérica, nos defensores do então nascente nouveau roman (novo romance) e, especificamente, na figura do maior teórico do movimento francês, Allain Robbe-Grillet.
É a respeito do autor de "O Ciúme" um dos textos mais contundentes do livro. No entanto é também em momentos como "As Pretensões de Robbe-Grillet" que o livro parece datado -e aqui cabe um reparo à edição: mais notas dariam conta de contextualizar seu pensamento, minimizando essa impressão.
Reparos à parte, porém, "O Escritor e Seus Fantasmas" é uma declaração de amor ao ofício e interessará a um público maior do que o dos amantes da obra de Sabato: suas reflexões têm o poder de tocar a qualquer um que se debruce sobre o fazer literário. Em especial, sensibilizará os que desejam escrever ficção: estes certamente se sentirão acolhidos ao ver que os fantasmas que os assombram também rondam autores consagrados.


O Escritor e Seus Fantasmas
   
Autor: Ernesto Sabato
Tradutor: Pedro Maia Soares
Editora: Companhia das Letras (0/xx/ 11/3167-0801)
Quanto: preço a definir (204 págs.)



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