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CRÍTICA
Talento de Johnny Depp sobra em filme sentimentalista
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Segundo afiança o material
de imprensa de "Em Busca da
Terra do Nunca", o "diretor estava em busca de algo mágico quando...". Eis um texto de divulgação
verdadeiro, pois parece que todo
mundo anda em busca de algo
mágico no cinema americano.
O que não é de estranhar, pois,
nos últimos 25 ou 30 anos de indústria cultural triunfante, o que
nos tem sido servido senão variações infinitas da idéia de que todo
homem, no fundo, não passa de
uma criança. Portanto era uma
questão de tempo que o cinema se
voltasse para a criação de Peter
Pan. Santo padroeiro da Hollywood contemporânea, Peter Pan
é o menino que não quer crescer.
No início do século passado,
após o fracasso, aparentemente
merecido, de sua última peça, o
dramaturgo inglês J.M. Barrie
(Johnny Depp) conhece a triste
família Llewelyn Davies, composta por uma viúva (Kate Winslet) e
quatro pequenos órfãos. Quase
inadvertidamente, Barrie começa
a desempenhar o papel paterno
em relação a essas crianças, o que,
claro, não desagrada à mulher.
As brincadeiras de Barrie animam os meninos, a viúva e o dramaturgo, pois são elas que constituem a base de seu futuro "Peter
Pan". Desagradam profundamente à mãe da moça (Julie
Christie) e à própria mulher do
escritor (Radha Mitchell), embora desde o início estejamos informados de que os dois não se dão.
Dadas as premissas, a evolução
de "Terra do Nunca" parece fundar-se sobre a simetria. Se o escritor está animado, seu produtor
(Dustin Hoffman) fica desanimado. Se os meninos e a viúva se alegram, a mãe da viúva vê a coisa
com maus olhos. Etc. A simetria
central diz respeito à evolução
cronológica dos participantes:
quanto mais mergulha na infância dos meninos Davies, mais J.M.
Barrie estará encontrando a si
mesmo. Quanto mais os encaminha a uma passagem razoavelmente saudável à idade adulta,
mais encontra a própria infância.
Ou seja, como filme adulto, "filme de Oscar", o longa não foge à
receita regressiva da indústria cultural, embora lhe acrescente
nuanças. Quase todas essas nuanças estão, por sinal, estampadas
no rosto de Johnny Depp.
É preciso dar a Marc Forster o
crédito de bom diretor de atores
(Halle Berry já havia ganhado um
Oscar por "A Última Ceia"). Se
não evita o sentimentalismo implícito na situação -antes pelo
contrário- e chantageia o público abertamente, Forster em troca
tira boas interpretações de atores
que com freqüência tropeçam no
talento (caso de Hoffman).
E, se Kate Winslet aceita a função de coadjuvante, é sobre os
ombros de Depp que toda a trama
se sustenta. Ou antes, sobre os
olhos de Depp, capazes de dizer a
mesma coisa e seu perfeito oposto
simultaneamente, de carregar o
espectador do real ao imaginário
e vice-versa com desenvoltura.
Em resumo: Depp sobra no papel. Se sobra, é porque ao filme
falta algo. E não é magia. É o desejo de ser mais que um bem cultural facilmente comercializável.
Em Busca da Terra do Nunca
Finding Neverland
Direção: Marc Forster
Produção: EUA, 2004
Com: Johnny Depp, Kate Winslet
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Cinearte, Jardim Sul e circuito
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