São Paulo, sexta-feira, 04 de fevereiro de 2005

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CRÍTICA

Talento de Johnny Depp sobra em filme sentimentalista

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Segundo afiança o material de imprensa de "Em Busca da Terra do Nunca", o "diretor estava em busca de algo mágico quando...". Eis um texto de divulgação verdadeiro, pois parece que todo mundo anda em busca de algo mágico no cinema americano.
O que não é de estranhar, pois, nos últimos 25 ou 30 anos de indústria cultural triunfante, o que nos tem sido servido senão variações infinitas da idéia de que todo homem, no fundo, não passa de uma criança. Portanto era uma questão de tempo que o cinema se voltasse para a criação de Peter Pan. Santo padroeiro da Hollywood contemporânea, Peter Pan é o menino que não quer crescer.
No início do século passado, após o fracasso, aparentemente merecido, de sua última peça, o dramaturgo inglês J.M. Barrie (Johnny Depp) conhece a triste família Llewelyn Davies, composta por uma viúva (Kate Winslet) e quatro pequenos órfãos. Quase inadvertidamente, Barrie começa a desempenhar o papel paterno em relação a essas crianças, o que, claro, não desagrada à mulher.
As brincadeiras de Barrie animam os meninos, a viúva e o dramaturgo, pois são elas que constituem a base de seu futuro "Peter Pan". Desagradam profundamente à mãe da moça (Julie Christie) e à própria mulher do escritor (Radha Mitchell), embora desde o início estejamos informados de que os dois não se dão.
Dadas as premissas, a evolução de "Terra do Nunca" parece fundar-se sobre a simetria. Se o escritor está animado, seu produtor (Dustin Hoffman) fica desanimado. Se os meninos e a viúva se alegram, a mãe da viúva vê a coisa com maus olhos. Etc. A simetria central diz respeito à evolução cronológica dos participantes: quanto mais mergulha na infância dos meninos Davies, mais J.M. Barrie estará encontrando a si mesmo. Quanto mais os encaminha a uma passagem razoavelmente saudável à idade adulta, mais encontra a própria infância.
Ou seja, como filme adulto, "filme de Oscar", o longa não foge à receita regressiva da indústria cultural, embora lhe acrescente nuanças. Quase todas essas nuanças estão, por sinal, estampadas no rosto de Johnny Depp.
É preciso dar a Marc Forster o crédito de bom diretor de atores (Halle Berry já havia ganhado um Oscar por "A Última Ceia"). Se não evita o sentimentalismo implícito na situação -antes pelo contrário- e chantageia o público abertamente, Forster em troca tira boas interpretações de atores que com freqüência tropeçam no talento (caso de Hoffman).
E, se Kate Winslet aceita a função de coadjuvante, é sobre os ombros de Depp que toda a trama se sustenta. Ou antes, sobre os olhos de Depp, capazes de dizer a mesma coisa e seu perfeito oposto simultaneamente, de carregar o espectador do real ao imaginário e vice-versa com desenvoltura.
Em resumo: Depp sobra no papel. Se sobra, é porque ao filme falta algo. E não é magia. É o desejo de ser mais que um bem cultural facilmente comercializável.


Em Busca da Terra do Nunca
Finding Neverland
  
Direção: Marc Forster
Produção: EUA, 2004
Com: Johnny Depp, Kate Winslet
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Cinearte, Jardim Sul e circuito


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