São Paulo, sexta-feira, 04 de março de 2005

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CRÍTICA

Comédia reflete barreiras

DA REDAÇÃO

Para além dos "idiotas" de Michael Moore, há uma nação que acredita na propagação da democracia anunciada por George W. Bush, na "liberdade" conquistada à base de torturas e repressão. Para esses, os grotões do mundo têm uma população carente, ansiosa da mão tutelar de um caridoso EUA de fábulas.
A comédia "Espanglês" acredita que anos e anos de dominação cultural e econômica podem ser resolvidos com um mero tapinha nas costas. Nova produção de James L. Brooks ("Melhor É Impossível"), o filme é revelador das relações entre EUA e Terceiro Mundo nas suas entrelinhas, naquilo que não é dito, nas naufragadas e equivocadas boas intenções.
O cruzamento entre esses dois mundos é narrado, em flashback, pela filha de Flor, imigrante mexicana (Paz Vega, disputando a cota de "latina de Hollywood" na vaga de Penélope Cruz), em uma redação para vaga em universidade.
Sem falar uma palavra em inglês, Flor será a nova empregada doméstica de uma família norte-americana/rica/bela/saudável. Adam Sandler é o pai, homem equilibrado e emotivo (ou os EUA como mãe do mundo), enquanto Téa Leoni é a histérica mãe, que fará as vezes de vilã (ou os EUA agressivo, invasor). O primeiro encontro já revela as barreiras: uma "invisível" porta de vidro irá machucar o núcleo latino.
Flor desempenha a figura do estranho que modifica uma realidade vigente. De certa maneira, vai regular os temperamentos de uma família disfuncional no seu íntimo, à base daquilo que os americanos vêem como características latinas: a espontaneidade, a alegre sexualidade, os nervos à flor da pele e, claro, a servidão.
Brooks vê a questão dos preconceitos e dificuldades de convívio com sensibilidade, mas acaba reforçando certo determinismo.
Flor será toda sorrisos até que sua filha corra o risco de ser corrompida e descaracterizada pelos brancos anglo-saxões. A partir daí, tentará eliminar mais alguns anos e anos de mutismo terceiro-mundista ao se esforçar para aprender o idioma inglês. O estado natural de Flor, sua cultura e identidade, não deixa de ser visto como um estado primitivo de existência, de arestas a aparar. (Brasileiros obcecados por um inglês de pronúncia perfeita, que lotam escolas de idiomas, encontrarão aí um bom espelho.)
À parte seqüências ótimas -como quando a filha de Flor serve de intérprete-, Brooks encaminha o desfecho para Gilberto Freyre e sua "Casa-Grande & Senzala". Afinal, a empregada será a depositária da tensão/tesão reprimida dos patrões. Sem querer, o filme elucida o atrapalhado mea-culpa norte-americano, fazendo um claro painel dessa relação com seus estrangeiros.
(BRUNO YUTAKA SAITO)


Espanglês
Spanglish
  
Direção: James L. Brooks
Produção: EUA, 2005
Com: Adam Sandler, Téa Leoni, Paz Vega
Quando: a partir de hoje nos cines Metrô Santa Cruz, Interlagos e circuito


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