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CRÍTICA
Comédia reflete barreiras
DA REDAÇÃO
Para além dos "idiotas" de
Michael Moore, há uma nação que acredita na propagação
da democracia anunciada por
George W. Bush, na "liberdade"
conquistada à base de torturas e
repressão. Para esses, os grotões
do mundo têm uma população
carente, ansiosa da mão tutelar de
um caridoso EUA de fábulas.
A comédia "Espanglês" acredita
que anos e anos de dominação
cultural e econômica podem ser
resolvidos com um mero tapinha
nas costas. Nova produção de James L. Brooks ("Melhor É Impossível"), o filme é revelador das relações entre EUA e Terceiro Mundo nas suas entrelinhas, naquilo
que não é dito, nas naufragadas e
equivocadas boas intenções.
O cruzamento entre esses dois
mundos é narrado, em flashback,
pela filha de Flor, imigrante mexicana (Paz Vega, disputando a cota
de "latina de Hollywood" na vaga
de Penélope Cruz), em uma redação para vaga em universidade.
Sem falar uma palavra em inglês, Flor será a nova empregada
doméstica de uma família norte-americana/rica/bela/saudável.
Adam Sandler é o pai, homem
equilibrado e emotivo (ou os EUA
como mãe do mundo), enquanto
Téa Leoni é a histérica mãe, que
fará as vezes de vilã (ou os EUA
agressivo, invasor). O primeiro
encontro já revela as barreiras:
uma "invisível" porta de vidro irá
machucar o núcleo latino.
Flor desempenha a figura do estranho que modifica uma realidade vigente. De certa maneira, vai
regular os temperamentos de
uma família disfuncional no seu
íntimo, à base daquilo que os
americanos vêem como características latinas: a espontaneidade,
a alegre sexualidade, os nervos à
flor da pele e, claro, a servidão.
Brooks vê a questão dos preconceitos e dificuldades de convívio
com sensibilidade, mas acaba reforçando certo determinismo.
Flor será toda sorrisos até que
sua filha corra o risco de ser corrompida e descaracterizada pelos
brancos anglo-saxões. A partir
daí, tentará eliminar mais alguns
anos e anos de mutismo terceiro-mundista ao se esforçar para
aprender o idioma inglês. O estado natural de Flor, sua cultura e
identidade, não deixa de ser visto
como um estado primitivo de
existência, de arestas a aparar.
(Brasileiros obcecados por um inglês de pronúncia perfeita, que lotam escolas de idiomas, encontrarão aí um bom espelho.)
À parte seqüências ótimas
-como quando a filha de Flor
serve de intérprete-, Brooks encaminha o desfecho para Gilberto
Freyre e sua "Casa-Grande &
Senzala". Afinal, a empregada será a depositária da tensão/tesão
reprimida dos patrões. Sem querer, o filme elucida o atrapalhado
mea-culpa norte-americano, fazendo um claro painel dessa relação com seus estrangeiros.
(BRUNO YUTAKA SAITO)
Espanglês
Spanglish
Direção: James L. Brooks
Produção: EUA, 2005
Com: Adam Sandler, Téa Leoni, Paz Vega
Quando: a partir de hoje nos cines Metrô
Santa Cruz, Interlagos e circuito
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