São Paulo, sexta-feira, 04 de março de 2005

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"O LENHADOR"

Filme de Nicole Kassell propõe a construção do olhar sobre pedófilo

CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em "O Lenhador", temos Walter, um pedófilo retornando à sua cidade após anos de prisão. A ele está sendo permitida reentrada no mundo. Não por acaso, o discurso visual do filme parte estruturalmente dessa idéia: o contato, ou a reinauguração do contato, com o estatuto social. Assim, aqui nada será mais importante do que os fragmentos cotidianos desse homem, em uma espécie de ciclo das tarefas e da reativação das experiências. Num país em que a pedofilia se torna evento público, via Michael Jackson, a diretora Kassell busca um padrão íntimo de registro humano.
É essencial, por exemplo, expor à repetição as imagens de um aparelho laminado cortando a madeira ou as do ambiente fabril, já que Walter consegue ocupação em uma firma madeireira. Ou seja, Walter vai reconstruindo a vida, e nós, construindo olhar sobre ele. Ele, por exemplo, encontra uma namorada: sábia no sexo e em um abraço de uma fraternidade apaziguadora.
Nesse projeto da construção do olhar e de reconstrução do cotidiano, um valor do filme é nos colocar na irônica posição de "oficiais" vigilantes da condicional desse homem (de fato em condicional), exercendo espécie de função supervisora-policial nesse regime, assistindo a ele de modo quase totalitário, para descobrirmos, no decorrer, que não há exatamente um traço criminal envolvendo sua personalidade.
Pois, em relação às crianças, tudo em Walter é ternura e idilismo -e atração também pela ternura que o outro lado (o das menininhas) oferece. Em um eterno fluxo cênico bancado pelo filme, da ternura em arranjo com a brutalidade da lógica social capaz de enxergar apenas sombras na "aberração-Walter", radicalmente culpabilizado, a namorada torna-se pilar do filme. Sua fraternidade se converterá em maternidade. Sua vocação será a de protegê-lo, não das tentações, das quais ela é ciente, mas do cerco moral hostil que se estabelece ao redor de Walter. Outro valor do filme é conceber bem cinematograficamente essa significação na personagem.
Porém, antes de chegarmos à cena crucial, em um parque, filmada com secura e risco necessários, a encenação geralmente tende a uma simulação excessiva de tensão; de um peso da culpa brutalizante que predomina sobre outros aspectos, como o da ternura e o da secura. É nesse desequilíbrio "fácil" que talvez seja dificultado nosso papel no expediente principal do filme -exatamente o da construção de um olhar.


O Lenhador
The Woodsman
  
Direção: Nicole Kassell
Produção: EUA, 2004
Com: Kevin Bacon, Kyra Sedgwick, Benjamin Bratt
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Cinearte, Jardim Sul e circuito


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