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"O LENHADOR"
Filme de Nicole Kassell propõe a construção do olhar sobre pedófilo
CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Em "O Lenhador", temos Walter, um pedófilo retornando à
sua cidade após anos de prisão. A
ele está sendo permitida reentrada no mundo. Não por acaso, o
discurso visual do filme parte estruturalmente dessa idéia: o contato, ou a reinauguração do contato, com o estatuto social. Assim,
aqui nada será mais importante
do que os fragmentos cotidianos
desse homem, em uma espécie de
ciclo das tarefas e da reativação
das experiências. Num país em
que a pedofilia se torna evento
público, via Michael Jackson, a diretora Kassell busca um padrão
íntimo de registro humano.
É essencial, por exemplo, expor
à repetição as imagens de um aparelho laminado cortando a madeira ou as do ambiente fabril, já
que Walter consegue ocupação
em uma firma madeireira. Ou seja, Walter vai reconstruindo a vida, e nós, construindo olhar sobre
ele. Ele, por exemplo, encontra
uma namorada: sábia no sexo e
em um abraço de uma fraternidade apaziguadora.
Nesse projeto da construção do
olhar e de reconstrução do cotidiano, um valor do filme é nos colocar na irônica posição de "oficiais" vigilantes da condicional
desse homem (de fato em condicional), exercendo espécie de função supervisora-policial nesse regime, assistindo a ele de modo
quase totalitário, para descobrirmos, no decorrer, que não há exatamente um traço criminal envolvendo sua personalidade.
Pois, em relação às crianças, tudo em Walter é ternura e idilismo
-e atração também pela ternura
que o outro lado (o das menininhas) oferece. Em um eterno fluxo cênico bancado pelo filme, da
ternura em arranjo com a brutalidade da lógica social capaz de enxergar apenas sombras na "aberração-Walter", radicalmente culpabilizado, a namorada torna-se
pilar do filme. Sua fraternidade se
converterá em maternidade. Sua
vocação será a de protegê-lo, não
das tentações, das quais ela é ciente, mas do cerco moral hostil que
se estabelece ao redor de Walter.
Outro valor do filme é conceber
bem cinematograficamente essa
significação na personagem.
Porém, antes de chegarmos à
cena crucial, em um parque, filmada com secura e risco necessários, a encenação geralmente tende a uma simulação excessiva de
tensão; de um peso da culpa brutalizante que predomina sobre
outros aspectos, como o da ternura e o da secura. É nesse desequilíbrio "fácil" que talvez seja dificultado nosso papel no expediente
principal do filme -exatamente
o da construção de um olhar.
O Lenhador
The Woodsman
Direção: Nicole Kassell
Produção: EUA, 2004
Com: Kevin Bacon, Kyra Sedgwick,
Benjamin Bratt
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Cinearte, Jardim Sul e circuito
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