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Obras propõem narradores
da Sucursal do Rio
Duas recriações literárias
lançadas este ano tentam
contar a história de "Dom
Casmurro" a partir de outros pontos de vista, além
do olhar de Bentinho, o narrador-personagem de Machado de Assis.
Em "Amor de Capitu",
publicado pela Ática, Fernando Sabino transforma o
texto original de Machado
de Assis numa narrativa em
terceira pessoa. Em vez de
Bentinho dizer, por exemplo, "eu entrei na sala", o
narrador diz "Bento Santiago entrou na sala".
A narrativa de Sabino
centraliza o relato no testemunho de apenas um personagem -o mesmo Bento
Santiago. Algumas expressões idiomáticas foram
atualizadas, e as considerações do personagem sobre
fatos de seu tempo foram
deslocadas para um apêndice ao final do volume.
Na introdução, Sabino esclarece que o que o atraiu
no romance não foi "a intrigante e todavia óbvia infidelidade da personagem
principal". Sua curiosidade
era saber até que ponto a
dúvida teria sido premeditada pelo autor por meio de
um narrador evasivo e inseguro como Bentinho.
Em "Capitu - Memórias
Póstumas", da Artium, o escritor e professor de literatura Domício Proença Filho
deixa que Capitu fale e se
defenda da acusação do ex-marido. São, como diz o título, memórias que Capitu
escreveu depois de morta,
sob a supervisão de Brás
Cubas -o personagem
machadiano que também
escreveu suas recordações
de além-túmulo.
Em suas "memórias", Capitu contra-ataca e levanta
suspeitas sobre a sexualidade de Bentinho. Diz que sua
ânsia em voltar da lua-de-mel se devia à infelicidade
conjugal e afirma que o marido tinha ciúmes de tudo e
de todos.
"Eu li "Dom Casmurro"
aos 15 anos e fiquei com raiva daquele marido chato. Aí
aceitei o desafio de contar a
versão de Capitu. Não considero ofensivo nem pretensioso. Sou machadiano,
não machadólatra. Os críticos podem dizer o que quiserem, mas a intertextualidade é uma marca da arte
do nosso tempo", diz
Proença Filho, 63.
Na coletânea de ensaios
"Machado de Assis - Uma
Revisão", lançada pela In-Folio no ano passado, uma
análise de Antônio Carlos
Secchi sobre a traição termina com uma carta de
Bentinho a Seixas (personagem de José de Alencar em
"Senhora"). Na carta, Dom
Casmurro reconhece a inocência da mulher.
Para o escritor Josué
Montello, membro da Academia Brasileira de Letras e
especialista na obra de Machado de Assis, as recriações são uma homenagem
ao autor. "O romance transfere para o leitor a perplexidade de seus personagens.
Machado de Assis aprovaria", afirmou.
(FE)
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