São Paulo, Quinta-feira, 04 de Março de 1999
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Obras propõem narradores

da Sucursal do Rio

Duas recriações literárias lançadas este ano tentam contar a história de "Dom Casmurro" a partir de outros pontos de vista, além do olhar de Bentinho, o narrador-personagem de Machado de Assis.
Em "Amor de Capitu", publicado pela Ática, Fernando Sabino transforma o texto original de Machado de Assis numa narrativa em terceira pessoa. Em vez de Bentinho dizer, por exemplo, "eu entrei na sala", o narrador diz "Bento Santiago entrou na sala".
A narrativa de Sabino centraliza o relato no testemunho de apenas um personagem -o mesmo Bento Santiago. Algumas expressões idiomáticas foram atualizadas, e as considerações do personagem sobre fatos de seu tempo foram deslocadas para um apêndice ao final do volume.
Na introdução, Sabino esclarece que o que o atraiu no romance não foi "a intrigante e todavia óbvia infidelidade da personagem principal". Sua curiosidade era saber até que ponto a dúvida teria sido premeditada pelo autor por meio de um narrador evasivo e inseguro como Bentinho.
Em "Capitu - Memórias Póstumas", da Artium, o escritor e professor de literatura Domício Proença Filho deixa que Capitu fale e se defenda da acusação do ex-marido. São, como diz o título, memórias que Capitu escreveu depois de morta, sob a supervisão de Brás Cubas -o personagem machadiano que também escreveu suas recordações de além-túmulo.
Em suas "memórias", Capitu contra-ataca e levanta suspeitas sobre a sexualidade de Bentinho. Diz que sua ânsia em voltar da lua-de-mel se devia à infelicidade conjugal e afirma que o marido tinha ciúmes de tudo e de todos.
"Eu li "Dom Casmurro" aos 15 anos e fiquei com raiva daquele marido chato. Aí aceitei o desafio de contar a versão de Capitu. Não considero ofensivo nem pretensioso. Sou machadiano, não machadólatra. Os críticos podem dizer o que quiserem, mas a intertextualidade é uma marca da arte do nosso tempo", diz Proença Filho, 63.
Na coletânea de ensaios "Machado de Assis - Uma Revisão", lançada pela In-Folio no ano passado, uma análise de Antônio Carlos Secchi sobre a traição termina com uma carta de Bentinho a Seixas (personagem de José de Alencar em "Senhora"). Na carta, Dom Casmurro reconhece a inocência da mulher.
Para o escritor Josué Montello, membro da Academia Brasileira de Letras e especialista na obra de Machado de Assis, as recriações são uma homenagem ao autor. "O romance transfere para o leitor a perplexidade de seus personagens. Machado de Assis aprovaria", afirmou. (FE)


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