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LIVRO/LANÇAMENTO
"A IGNORÂNCIA"
Livro revê o mito da busca pela terra natal através da história de um casal de exilados tchecos
Milan Kundera desfaz a ilusão da aventura do grande retorno
RINALDO GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Era inevitável. Cedo ou
tarde, Milan Kundera, nascido em Brno, na atual República
Tcheca, em 1929, e cidadão francês desde 1981, iria enfrentar literariamente um dos grandes males
do século 20: o exílio.
Radicado na França a partir de
1975, Kundera esperou que se
passassem 11 anos da Revolução
de Veludo (89) para publicar seu
ajuste de contas com o desterro.
A "Canção do Exílio", ou melhor, "A Odisséia" de Milan Kundera é o romance "A Ignorância"
(2000), lançado primeiramente
na Espanha. Enquanto "A Insustentável Leveza do Ser", que consagrou Kundera internacionalmente, começa com uma reflexão
sobre o "eterno retorno" nietzscheano, "A Ignorância", que chega agora às livrarias brasileiras,
apresenta uma idéia cruel: para o
desterrado, não existe a "grande
volta". O exílio é uma doença sem
cura, que quase nunca ela bane o
indivíduo apenas da terra. Pode
fazer isso em relação a todas as dimensões que importam na vida.
A tese está embutida no próprio
título do romance, que o autor explica a partir da análise da palavra
nostalgia: "Em grego, retorno se
diz "nóstos", "Álgos" significa sofrimento. A nostalgia é portanto o
sofrimento causado pelo desejo
irrealizado de retornar". "Em espanhol ", prossegue Kundera,
""añorar" (ter nostalgia) vem do
catalão "enyorar", derivado da palavra latina "ignorare" (ignorar)".
Nostalgia, contaminada pela ignorância, é o sentimento que designa a dupla de protagonistas do
romance, Irena e Josef. Ambos
deixaram a Tchecoslováquia no
final dos anos 60 e durante duas
décadas não puseram os pés em
sua terra natal: ela exilou-se em
Paris; ele, em Copenhague. Muito
antes da partida, o casal havia tido
uma aproximação fugaz, que o
noivado de Irena impediu de levar à frente. Após a derrota do comunismo em seu país, os dois se
reencontram no aeroporto da capital francesa, rumo à República
Tcheca. Existirá o "grande regresso"? É possível retomar a vida interrompida?
As recorrentes citações à "Odisséia", de Homero, não surgem,
portanto, ao acaso. "Ulisses, o
maior aventureiro de todos os
tempos, é também o maior nostálgico", escreve Milan Kundera.
"Entre a "dolce vita" no estrangeiro e o retorno arriscado para casa,
ele escolheu o retorno. Ao infinito
(pois a aventura pretende ser infinita), preferiu o finito (pois o retorno é a reconciliação com a finitude da vida)." Em certa passagem, Josef duvida que Ulisses tenha sido feliz com sua escolha. Há
felicidade no que pode acabar? E,
se a marcha inexorável da vida
aponta para o fim, a condição de
existir terá sentido?
Nem Josef nem Irena realizam-se com o regresso porque ele explicita-lhes ainda sua irreversível
condição de estrangeiro. Na França, ninguém aceita que a exilada
não tenha desejado correr para
Praga no dia seguinte à revolução;
em seu país, suas amigas não a reconhecem mais como tcheca. Josef não fica à vontade na terra natal. Mal vê a hora de retornar para
a Dinamarca.
Sem a profusão de reflexões metalinguísticas que levam, muitas
vezes, seu autor a ser classificado
de "escritor para escritores e críticos", "A Ignorância" pode conter
momentos autobiográficos de
uma fracassada experiência de retorno. Mais do que isso, no entanto, para seu autor o romance terá
funcionado como uma forma de
conhecimento dela mesma -a
ignorância. Antes de tudo, é preciso preparar-se para conhecer a
natureza da dor.
Rinaldo Gama é mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP, editor-executivo dos "Cadernos de Literatura Brasileira", do Instituto Moreira Salles, e autor
de "O Guardador de Signos: Caeiro em
Pessoa" (Perspectiva/ IMS, 1995)
A Ignorância
Autor: Milan Kundera
Tradutor: Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 24 (160 págs.)
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