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"MODERNIDADE"
Deslumbre do espetáculo sufoca a denúncia da fama
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Modernidade" não merece ser tratado com
condescendência. Tem um objetivo sério e urgente: a denúncia da
fama enquanto sonho de consumo, na contramão de uma histeria que se torna onipresente na televisão. Tem recursos técnicos de
multimídia avançados e precisos
o bastante para combater o mal
com seus próprios meios. Tem
um elenco entusiasmado e unido
que, revelado por "Cazas de Cazuza", obteve o apoio não só de João
Araújo, pai de Cazuza, mas o
prestígio da mídia, inclusive daquela que quer criticar.
E é aí que a cobra morde o rabo,
para retomar a metáfora-design
da montagem. Lulo, o protagonista da trama, que declara ser autobiográfica, foi descoberto ao encarnar Cazuza em uma montagem despretensiosa e competente, e criou fama de um grande
ator-performer-cantor que despontava. Seu diretor, Rodrigo Pitta, chegou a criar um "SPA de performance" para desenvolver sua
criatura em canto, dança e interpretação, dividindo-a com as exigências de mídia impostas pela
modernidade: ponta em novela,
participação em "reality show"...
A ascensão fulminante de Lulo
encorajou seus parceiros a desautorizar modelos consagrados e
denunciar a indústria da fama por
dentro da barriga da besta. Realizaram um média-metragem em
película, com uma trama caricatural e bem-humorada como uma
HQ. Nela, em meio a celebridades
convidadas que não se constrangeram em satirizar a própria sede
pela fama, Rodrigo surge como
um doutor Frankenstein, perdendo o controle de um mutante programado para o sucesso.
Rodrigo, um pioneiro da
"Broadway paulista", já sonhava
em superar seu modelo americano. Lulo, por sua vez, não teria um
show, mas um evento que iria
misturar cinema, teatro e musical.
Não deu certo. Não é tão rápido
inventar uma linguagem nova:
para a Broadway, levou séculos, e
os resultados, ainda assim, são
questionáveis. O modelo novo de
Pitta resultou em um show mediano com confusas intervenções
teatrais; ou em imitação de
"Tommy" com roteiro fraquíssimo, que mesmo a competência de
Daniel Ribeiro e de Rosana Pereira não conseguem superar.
Lulo, no palco ou na tela, teve
seu talento submerso pelo gigantismo da proposta e tem uma performance digna dos piores filmes
de Stallone. O filme é uma longa e
desnecessária introdução para
quem foi ver Lulo cantar e no final
rouba o clímax esvaziando o impacto que ainda o show poderia
ter. O espetáculo só pega quando
Lulo reproduz clichês gestuais e
vocais em seus hits, ou quando os
aeróbicos dançarinos, contagiados de narcisismo, reproduzem
trechos de shows de Madonna e
de Menudo. Mas não era justamente isso o que se queria evitar?
Infelizmente, apesar dos enormes recursos técnicos e humanos
empregados, e do entusiasmo por
uma boa causa, "Modernidade"
acaba resultando em uma espécie
de show de formatura de colégio
de luxo, feito para a autocelebração entre amigos. A denúncia acabou sendo engolida pelo deslumbre, e a "modernidade" imposta
pelo marketing segue fortalecida.
É preciso mais profundidade para
criticar o superficial.
Modernidade
Concepção e direção: Rodrigo Pitta
Direção musical: Daniel Ribeiro
Com: André Pires, Suzana Franco, Thalita
Valim e outros
Onde: Via Funchal (r. Funchal, 65, SP, tel.
0/xx/11/3846-2300)
Quando: hoje, amanhã e dias 11 e 12, às
21h30
Quanto: de R$ 20 a R$ 130
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