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Brasileiros se desdobram em "Tirésia"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Com o sobrenome Choveaux
herdado do pai francês, Clara desembarcou em Paris em 2000.
Ela tinha no bolso apenas as
economias da mesada. Mas logo
encontrou trabalho como garçonete no badalado restaurante Favela Chic e descolou um "bico" de
figurante no segundo longa-metragem de um cineasta francês.
O filme era "O Pornógrafo"
(2001), e o diretor, Bertrand Bonello, 35. "Esse encontro mudou minha vida", diz Clara, que se tornou protagonista do terceiro filme de Bonello, "Tirésia". O título
disputou a Palma de Ouro em
Cannes em 2003 (vencida por
"Elefante", de Gus van Sant) e estréia hoje no Brasil, com a atriz
num papel cheio de exigências.
O resumo da história: Tirésia é
um transexual brasileiro que se vê
seqüestrado por um cliente,
quando o acompanha até sua casa. Privado das doses diárias de
hormônio que garantem suas formas femininas, Tirésia vai retomando progressivamente os traços da masculinidade.
Para que a transformação mulher/homem fosse crível, Bonello
escalou um ator para viver a segunda metade da saga de Tirésia:
o também brasileiro Tiago Teles.
Assim como no caso de Clara, o
diretor diz que o acerto da escolha
de Teles para o papel não se evidenciou nos primeiros testes. "O
resultado do primeiro teste de
Clara não foi lá muito bom. Mas
fizemos um segundo e um terceiro, quando entendi que seria preciso trabalhar muito, mas que ela
tinha o principal para o papel."
A atriz afirma que o teste foi
"verdadeiramente terrível", sobretudo por sua inexperiência.
"Não sou profissional. Não estava
acostumada a fazer testes. Bertrand estava muito calmo e tentou
me ajudar, mas percebi que precisaria de tempo para lidar com
aquilo, para digerir aos poucos."
No caso de Teles as dificuldades
foram ainda maiores. "Encontrá-lo foi mais difícil, porque já tínhamos o modelo feminino. Isso nos
obrigava a uma escolha muito
mais precisa", diz Bonello.
Na busca pelo ator, o diretor e a
responsável pela escalação de
elenco do filme passaram a freqüentar, com uma câmera na
mão, locais típicos de brasileiros.
"Um dia, fomos a uma festa de
brasileiros, e ela [a diretora de casting] me chamou a atenção para
Tiago", conta Bonello. Ele diz ter
visto "no rosto de Tiago algo que
era ao mesmo tempo muito forte
e muito frágil".
Essa dubiedade serve bem à segunda fase da história de Tirésia,
quando a personagem tem "a força e a humildade do oráculo".
Mas havia um porém. Ou vários.
"Tiago usava uma espécie de franja loura, estava sem barba, completamente bêbado e não falava
uma palavra de francês."
O ator ri da descrição e diz que
não se lembra de estar "tão bêbado assim", mas afirma que a proposta de trabalhar num filme lhe
pareceu "um conto de fadas".
Estudante de filosofia no Brasil,
Teles estava em Paris "para
aprender francês, principalmente, mas também porque queria
viajar, descobrir algumas coisas,
deixar outras para trás".
Quando Bonello o convidou para trabalhar em seu filme, Teles
achou que se tratava de figuração.
O diretor respondeu que não, mas
não deixou claro que era o papel
do protagonista o que propunha.
Ainda assim, Teles ficou exultante. "Nunca tinha pensado em
trabalhar no cinema. Eu estava
em Paris, com minha mochila nas
costas, fui a uma festa e alguém
me propôs fazer um filme. É ou
não é um conto de fadas?"
Para corrigir a deficiência do
ator no idioma francês, dois professores se revezaram num curso
superintensivo. Já a insegurança
de Clara desapareceu assim:
"Quando disse que ela era a escolhida, Clara progrediu muito rápido, porque um clima de confiança
se instalou. Vi que ela precisa se
sentir segura para atuar bem".
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