São Paulo, sexta-feira, 04 de junho de 2004

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"RESPIRO"

Ritmo de cotidiano dá brilho ao filme

CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em "Respiro", a imagem inicia-se dúbia: transita, com fluente volatilidade, entre deterioração e sintomas de vida. O esqueleto de uma piscina sem água, austero depósito de concreto e detritos, é aproveitado como brinquedo. Lá perto, crianças alicerçam castelos de entulho. Cães, aves e peixes constituem fauna simbólica: vivos, enfrentam morte e perecimento, todo dia. Na mesma cidade, o sol arde luminoso e o mar espuma em azul turístico, cotidianamente.
E é no cotidiano que está o brilho de "Respiro", ambientado em uma vila siciliana. A primeira metade do filme é tecida ritmicamente na cadência da rotina, o que nos faz íntimos de lugares e de pequenos incidentes. Embarcamos no vaivém de uma família: dias passam na repetição carinhosa de futuras nostalgias provincianas, como as simulações de faroestes repletas de sádico e alegre contato físico entre os meninos.
Aliás, o coração do filme bombeia tensão, de todo tipo, entre corpos. O tom de "Respiro", no entanto, é de lírica inquietude, sem endurecimento em observações geográficas e humanas.
Na segunda metade do filme, os olhares são alterados. A lógica, aqui, imerge em redomas intimistas, enlouquece em alienação. A câmera, porém, perde a maleabilidade da cadência cotidiana e é anestesiada por ferramentas de impacto, sobretudo em registros de praia. Cede-se espaço a uma letargia que, embora pareça correta em termos conceituais, dialoga problematicamente com o filme. Ainda assim, "Respiro" é obra ambígua que permite ser sentida.


Respiro
Idem
   
Direção: Emanuele Crialese
Produção: Itália/França, 2002
Com: Valeria Golino, Vincenzo Amato
Quando: a partir de hoje nos cines Cineclube DirecTV, Espaço Unibanco e Lumière



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