São Paulo, sábado, 04 de junho de 2005

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Acervo de Dmitri Shostakovich corre risco na Estônia

SONIA OXLEY
DA REUTERS, EM MOSCOU

Juntando poeira em um apartamento na Estônia, no Leste Europeu, e se desintegrando dia após dia está uma peça importante da história da música, diz o proprietário de um arquivo secreto relacionado ao compositor Dmitri Shostakovich (1906-1975).
A coleção reúne cerca de 700 mil manuscritos e documentos e mil horas de gravações de concertos e pode lançar uma nova luz sobre Shostakovich, considerado um dos maiores compositores sinfônicos do século 20.
Mas Mark Matsov, filho do maestro Roman Matsov, que trabalhava em constante contato com Shostakovich durante os anos da censura na União Soviética, teme que o material possa se perder para sempre.
Lutando para manter em dia o pagamento do aluguel do apartamento que abriga o arquivo em Tallinn, Matsov, que mora em Moscou, diz que a coleção corre o risco de ficar desabrigada e que pode desaparecer caso não seja registrada em mídia digital o mais rápido possível.
"A cada dia morre algum item do arquivo", disse ele à agência Reuters na última quinta-feira.
Shostakovich tinha uma relação complicada com a Rússia stalinista: suas partituras eram às vezes recebidas com agrado, e, em outras ocasiões, condenadas.
Ele morreu em 1975 e compôs 15 sinfonias, incluindo a "Sinfonia Leningrado (Sétima Sinfonia)", concebida em parte no período em que a cidade esteve sob cerco dos alemães, durante a Segunda Guerra Mundial.
Matsov está preocupado com a possibilidade de que a integração da Estônia à União Européia faça com que o aluguel subsidiado do apartamento, que vigora desde a era soviética, seja elevado para um valor de mercado, que ele não poderia pagar.
"Para as pessoas modernas, o dinheiro tem mais valor do que as idéias, e mais cedo ou mais tarde elas dirão que eu tenho de sair de lá. Não tenho a menor idéia quanto ao que fazer quando isso acontecer", disse ele de sua casa em Moscou.
O arquivo ainda não foi examinado por especialistas para determinar seu valor cultural, ainda que Matsov diga que eles têm sua autorização para fazê-lo quando quiserem.

Amigos
Ele afirma que a forte amizade que por 30 anos uniu seu pai e o compositor só era conhecida no interior de um estreito círculo musical, na era comunista, quando era difícil determinar quem merecia confiança.
Matsov, 61, disse que alguns dos manuscritos detalham a maneira pela qual Shostakovich desejava que suas peças fossem executadas, enquanto as fitas contêm gravações raras de trabalhos banidos na época.
Ele também contou que Shostakovich costumava convidar seu pai para reger e gravar para posteridade suas novas composições, em Tallinn, logo depois de suas estréias em Moscou ou São Petersburgo, no caso de as autoridades as proibirem.
"O maior inimigo do regime soviético não foi Trótski. Foi Shostakovich", afirmou.
No ano passado, um grupo de figuras importantes da cultura russa assinou uma carta aberta atestando a importância do arquivo, com alguns dos signatários descrevendo o acervo como "um tesouro".
Yevgeny Pasternak, filho de Bóris Pasternak, escritor dissidente premiado com o Nobel na era soviética, estava entre os signatários da carta e disse à Reuters que era vital que o arquivo fosse salvo.
"Matsov era pupilo de Shostakovich, vivia muito próximo dele. O arquivo é valioso para o mundo da música", afirmou.
Mas os especialistas alegam que o verdadeiro valor do arquivo não pode ser estimado até que o conteúdo tenha sido avaliado por profissionais e que qualquer material importante deveria ser colocado à disposição do público para consulta.
"Até que profissionais qualificados estudem o material e nos ofereçam uma descrição razoavelmente completa, não podemos estar certos quanto à importância do arquivo", disse o professor David Fanning, do departamento de música da Universidade de Manchester.
Um funcionário do governo estoniano disse que Matsov não havia procurado as autoridades do país para falar de sua coleção.
Matsov negou que estivesse relutante em exibir a coleção a especialistas, dizendo que "nenhum deles expressou interesse em examiná-la". "É claro que estou disposto a exibir o material."
Transferir o arquivo para um lugar seguro é uma prioridade, ele disse, acrescentando que houve uma tentativa de roubo contra o apartamento que o abriga dois meses atrás. Ele acrescentou que era importante que lhe fosse dada a chance de explicar o contexto dos documentos.
"Sem mim, o que está lá é apenas um monte de fotos e fitas", completou ele.


Colaborou David Mardiste, de Tallinn

Tradução Paulo Migliacci


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