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Acervo de Dmitri Shostakovich corre risco na Estônia
SONIA OXLEY
DA REUTERS, EM MOSCOU
Juntando poeira em um apartamento na Estônia, no Leste Europeu, e se desintegrando dia após
dia está uma peça importante da
história da música, diz o proprietário de um arquivo secreto relacionado ao compositor Dmitri
Shostakovich (1906-1975).
A coleção reúne cerca de 700 mil
manuscritos e documentos e mil
horas de gravações de concertos e
pode lançar uma nova luz sobre
Shostakovich, considerado um
dos maiores compositores sinfônicos do século 20.
Mas Mark Matsov, filho do
maestro Roman Matsov, que trabalhava em constante contato
com Shostakovich durante os
anos da censura na União Soviética, teme que o material possa se
perder para sempre.
Lutando para manter em dia o
pagamento do aluguel do apartamento que abriga o arquivo em
Tallinn, Matsov, que mora em
Moscou, diz que a coleção corre o
risco de ficar desabrigada e que
pode desaparecer caso não seja
registrada em mídia digital o mais
rápido possível.
"A cada dia morre algum item
do arquivo", disse ele à agência
Reuters na última quinta-feira.
Shostakovich tinha uma relação
complicada com a Rússia stalinista: suas partituras eram às vezes
recebidas com agrado, e, em outras ocasiões, condenadas.
Ele morreu em 1975 e compôs
15 sinfonias, incluindo a "Sinfonia
Leningrado (Sétima Sinfonia)",
concebida em parte no período
em que a cidade esteve sob cerco
dos alemães, durante a Segunda
Guerra Mundial.
Matsov está preocupado com a
possibilidade de que a integração
da Estônia à União Européia faça
com que o aluguel subsidiado do
apartamento, que vigora desde a
era soviética, seja elevado para
um valor de mercado, que ele não
poderia pagar.
"Para as pessoas modernas, o
dinheiro tem mais valor do que as
idéias, e mais cedo ou mais tarde
elas dirão que eu tenho de sair de
lá. Não tenho a menor idéia quanto ao que fazer quando isso acontecer", disse ele de sua casa em
Moscou.
O arquivo ainda não foi examinado por especialistas para determinar seu valor cultural, ainda
que Matsov diga que eles têm sua
autorização para fazê-lo quando
quiserem.
Amigos
Ele afirma que a forte amizade
que por 30 anos uniu seu pai e o
compositor só era conhecida no
interior de um estreito círculo
musical, na era comunista, quando era difícil determinar quem
merecia confiança.
Matsov, 61, disse que alguns dos
manuscritos detalham a maneira
pela qual Shostakovich desejava
que suas peças fossem executadas, enquanto as fitas contêm gravações raras de trabalhos banidos
na época.
Ele também contou que Shostakovich costumava convidar seu
pai para reger e gravar para posteridade suas novas composições,
em Tallinn, logo depois de suas
estréias em Moscou ou São Petersburgo, no caso de as autoridades as proibirem.
"O maior inimigo do regime soviético não foi Trótski. Foi Shostakovich", afirmou.
No ano passado, um grupo de
figuras importantes da cultura
russa assinou uma carta aberta
atestando a importância do arquivo, com alguns dos signatários
descrevendo o acervo como "um
tesouro".
Yevgeny Pasternak, filho de Bóris Pasternak, escritor dissidente
premiado com o Nobel na era soviética, estava entre os signatários
da carta e disse à Reuters que era
vital que o arquivo fosse salvo.
"Matsov era pupilo de Shostakovich, vivia muito próximo dele.
O arquivo é valioso para o mundo
da música", afirmou.
Mas os especialistas alegam que
o verdadeiro valor do arquivo não
pode ser estimado até que o conteúdo tenha sido avaliado por
profissionais e que qualquer material importante deveria ser colocado à disposição do público para
consulta.
"Até que profissionais qualificados estudem o material e nos ofereçam uma descrição razoavelmente completa, não podemos
estar certos quanto à importância
do arquivo", disse o professor David Fanning, do departamento de
música da Universidade de Manchester.
Um funcionário do governo estoniano disse que Matsov não havia procurado as autoridades do
país para falar de sua coleção.
Matsov negou que estivesse relutante em exibir a coleção a especialistas, dizendo que "nenhum
deles expressou interesse em examiná-la". "É claro que estou disposto a exibir o material."
Transferir o arquivo para um
lugar seguro é uma prioridade, ele
disse, acrescentando que houve
uma tentativa de roubo contra o
apartamento que o abriga dois
meses atrás. Ele acrescentou que
era importante que lhe fosse dada
a chance de explicar o contexto
dos documentos.
"Sem mim, o que está lá é apenas um monte de fotos e fitas",
completou ele.
Colaborou David Mardiste, de Tallinn
Tradução Paulo Migliacci
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