São Paulo, sexta-feira, 04 de julho de 2008

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6ª FLIP

Para Tom Stoppard, fazer peças difíceis seria uma "loucura"

Bem-humorado, dramaturgo faz 71 anos durante a Flip, defende teatro claro e comenta saída da Tchecoslováquia

Principal estrela da Festa Literária de Paraty, Stoppard afirma ser "de esquerda para algumas coisas e de direita para outras"


MARCOS STRECKER
EDUARDO SIMÕES
ENVIADOS ESPECIAIS A PARATY

Tom Stoppard mostrou ontem por que é a principal estrela da 6ª Flip. Bem-humorado, fez questão de lembrar que estava passando seu aniversário de 71 anos em Paraty. E que havia sido uma boa surpresa estar em um lugar preparado para a literatura. "É incomum um tributo, a essa altura, à literatura."
Em entrevista coletiva, Stoppard defendeu um teatro claro, disse que fazer peças difíceis seria "uma loucura". Mostrou que não tem preconceito contra musicais ou outras formas de dramaturgia ("Prefiro dramas sérios, mas há musicais de ótima qualidade"). E se disse ainda um leitor compulsivo de jornais e revistas. Leia a seguir trechos de entrevista exclusiva à Folha.

 

FOLHA - Harold Pinter é conhecido pelas posições de esquerda, enquanto importantes escritores, como Martin Amis, por sua postura conservadora. O sr. é considerado por muitos como antiesquerdista. Como o sr. se definiria?
TOM STOPPARD
- A questão da esquerda e da direita é muito simplista. No caso de Harold Pinter, trata-se o tempo todo dos EUA. Já para Martin Amis é o islamismo. Mas, para mim, suas posições não são políticas, e sim morais. A política aparece como conseqüência, mais do que num nível primário da argumentação. Sou de esquerda para algumas coisas, de direita para outras. Mudo de opinião a respeito das coisas.

FOLHA - O sr. é o principal convidado de um festival literário. Como vê a relação entre o teatro e as letras?
STOPPARD
- Para mim, há uma forte relação entre teatro e literatura, porque as minhas peças estão mais disponíveis em livros do que em palcos. Especialmente aqui. Mas, para ser honesto, para mim teatro não é um texto, é um evento. A relação é forte porque usamos o mesmo meio. Até que a peça chegue a um ensaio, a sua escrita é tão particular quanto a de um poema ou romance. Trata-se apenas de uma pessoa, uma folha de papel e uma caneta. Atualmente há os computadores. Mas eu uso uma caneta.

FOLHA - O sr. nasceu na antiga Tchecoslováquia, país que foi fortemente afetado pelos movimentos de 1968. Como vê a herança cultural e política daqueles acontecimentos?
STOPPARD
- Uma das coisas estranhas e curiosas de ser dramaturgo é que você responde a perguntas geralmente feitas a Henry Kissinger, ao papa ou a um filósofo político. Claro que tenho reações a muitas coisas, inclusive a 68. Mas não me pergunto qual foi a herança.
Saí da Tchecoslováquia quando tinha um ano e meio. Fui para a Índia e cheguei aos oito anos na Inglaterra. Minha mãe se casou com o sr. Stoppard, meu padrasto. Fui a Praga pela primeira vez aos 40.
Tornei-me inglês, para ser honesto. Foi só há 20, 30 anos que me envolvi com a idéia de que tinha vindo da Tchecoslováquia. A herança de 68 é muito complicada. Na minha peça "Rock'n'Roll", há um personagem que diz que o mundo do mercado livre, do capitalismo e das democracias ocidentais não foi aquilo por que a revolução de veludo lutou. Mas a Tchecoslováquia se tornou parte de uma outra coisa em 69. Odiei e odeio a idéia de uma sociedade totalitária. Mas não tenho ilusões sobre o que se seguiu, que foi, em certo nível, a velha corrupção ocidental.


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