São Paulo, sábado, 4 de julho de 1998

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LIVRO - LANÇAMENTO
"Branco...' é feito de memória e fantasia

CECÍLIA SAYAD
da Redação

Infância marcada por constantes viagens, amores frustrados, um pai com Alzheimer, um romance a ser escrito. Como pano de fundo, a perspectiva de um tumor fatal, cuja verificação é sempre adiada.
Esse é o cenário em que se desenvolve o romance "Branco Como o Arco-Íris", de Edgard Telles Ribeiro, uma obra que, como o autor definiu em entrevista por telefone à Folha, do Rio, levou sete anos para ser escrita e tem um forte caráter autobiográfico.
Ribeiro, 53, é autor também de "O Criado-Mudo" (editora 34), "O Livro das Pequenas Infidelidades" e "As Larvas Azuis da Amazônia" (Companhia das Letras).
Atualmente, é embaixador do Brasil na Nova Zelândia ("uma embaixada criada há cerca de dez meses"). Além da atividade diplomática, o escritor exerceu também a de crítico de cinema. No final da década de 60, escrevia para "O Jornal", dos Diários Associados, e para o "Correio da Manhã".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista com o autor.

Folha - Em que medida sua paixão pelo cinema é responsável pela força que as imagens visuais têm em seu romance?
Edgard Telles Ribeiro - Acho que existe um elo muito estreito entre a linguagem visual e minha linguagem escrita porque desde muito cedo tive uma forte paixão pelo cinema. Sou um cineasta frustrado. Fiz alguns curtas-metragens e nunca tive condições de dar o grande salto para o longa.
Folha - Ao trabalhar sobre um romance, o sr. se deixa levar pela escrita ou traça um plano para saber os rumos que a história vai tomar?
Ribeiro - Não faço planos. Eu tenho um impulso inicial, uma imagem ou uma situação que me marcou. Nunca me pergunto de cara onde tal coisa vai me levar. E também não escrevo por mais de três horas seguidas, para não avançar demais. Trabalho muito cedo, a partir das cinco ou seis da manhã. Aí paro, não só porque faço outras coisas, mas também porque não quero deixar a coisa aguar. Passado um certo momento, a qualidade pode cair.
Folha - O fato de não saber para onde o livro vai não é angustiante?
Ribeiro - Não. No começo era, mas, depois que consegui atravessar o primeiro romance e os contos, perdi essa ansiedade. "As Larvas Azuis da Amazônia" é um livro que tinha uma situação narrativa impossível. Eu gostei disso. Nunca houve um momento em que dissesse "estou perdido, não tem saída". O pior que pode acontecer é parar, interromper a obra e considerar a coisa fracassada.
Folha - Seu livro tem um conteúdo bastante autobiográfico.
Ribeiro - Tem, é uma boa mistura de coisas que realmente aconteceram de uma forma quase documental, coisas que aconteceram não exatamente daquele jeito e outras que foram fantasiadas, que poderiam ter acontecido. Essa mistura é uma espécie de pano de fundo do livro.
Folha - E a perspectiva de um tumor no cérebro?
Ribeiro - Isso foi verdade. Havia uma chance remota de que houvesse alguma coisa grave comigo na época. Tudo isso aconteceu há algum tempo atrás. Comecei a escrever "Branco..." em 91 e engavetei. Como era uma coisa muito pessoal, fui tirando a gordura até deixá-lo mais enxuto. O processo todo demorou uns sete anos.
O medo do tumor resolvi em seis meses, período em que fui empurrando o livro com a barriga. De vez em quando eu tinha a fantasia de que era pra valer, de que eu iria dançar. Mas já no final do livro eu sabia que não tinha nada. É por isso que o romance acaba de uma forma otimista, positiva.
Folha - Foi a possibilidade da doença que o inspirou?
Ribeiro - Não, a doença era pano de fundo, não era central. Era um dado da minha realidade e também da minha fantasia. O que inspirou o livro foram essas histórias que fui costurando.
Folha - O seu trabalho como escritor é mais um resultado de suas experiências pessoais ou é o produto da observação de outras realidades?
Ribeiro - As duas coisas -é difícil separar uma da outra. Assim como ficção e realidade se misturam muito, as experiências e observações acabam se fundindo. O processo é uma fusão disso tudo.
Folha - Em que medida o sr. acredita que deve guardar distanciamento com relação ao que relata?
Ribeiro - Para responder a essa pergunta eu teria que partir do pressuposto de que exerço um controle sobre o que faço. É um pouco como se dissesse "eu estou usando essa técnica ou essa contenção". Mas não trabalho assim. Pode até ser que exista um certo distanciamento, mas não é uma coisa deliberada. Talvez seja uma proteção inconsciente.



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