São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2004

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"DEZ MULHERES"

Reale Jr. estréia em contos com detalhes delicados do cotidiano

ADA PELLEGRINI GRINOVER
ESPECIAL PARA A FOLHA

O primeiro livro de contos de Miguel Reale Jr. é encantador: a descrição de pequenos detalhes do cotidiano, na realidade vivida por dez mulheres muito diferentes, que têm como traço comum se encontrarem frente a um impasse, resolvido cada qual a seu modo.
E a decisão tomada é sempre surpreendente, como convém ao conto, pois, a meu ver, a tônica da literatura curta há de ser a surpresa.
Assim, o leitor percorre com interesse sempre vivo tantas histórias: a da gravidez da sobrinha de uma mulher sem filhos, marcando a desgraça de uma e a euforia de outra, e a da presidiária que havia vivido em cárcere privado e que conheceu na cadeia a liberdade de ser uma pessoa.
A da moça certinha que vive a vida conforme o planejado e desiste do amor para que as coisas não fiquem fora de controle, e a da doente terminal de mãos macias, apaixonada pelo amor, que consegue dar prazer a um jovem médico e já tem 80 anos.
A da traição do marido e da reação da mulher, que se despede para sempre com um simples recado: fui velejar com meu pai, e a da mulher que se identifica com uma princesa francesa do tempo das cruzadas, mas que muda o destino solitário da filha do rei, cedendo ao amor do trovador
A da faroleira que inventa histórias por puro deleite, emocionando-se com a vida fictícia, mas que só encontra o amor pela via da verdade, e a da injustiçada que se sublima tornando-se vingativa, a pretexto de fazer justiça, até descobrir a existência de Xangô.
A da intelectual famosa e badalada, incomodada pelo sucesso da filha, mas que, de professora emérita, consegue tranformar-se em mãe.
E o último conto, o que mais me agradou, sobre a moça casada com um homem detestável e que encontra o amor numa relação homossexual, conseguindo livrar-se do marido com um expediente engenhoso.
São delicadas histórias de amor, apresentadas nas mais diversas facetas e vividas de acordo com a realidade de cada mulher.
E tudo é escrito num estilo sóbrio, despojado, que às vezes mistura sabiamente os tempos passado e presente, em que se destacam frases lapidares como "amou e gritou de gozo até a manhã nascer".
O livro é precedido por uma bela apresentação de Paulo Bonfim, o poeta dos paulistas, que, com outra frase lapidar descreve o conto como "o soneto da prosa".


Ada Pellegrini Grinover é membro da Academia Paulista de Letras, professora titular da Faculdade de Direito da USP; escreveu, entre outros "A Menina e a Guerra" (ed. Forense Universitária)

Dez Mulheres
    
Autor: Miguel Reale Jr.
Editora: Best Seller
Quanto: R$ 22 (144 págs.)



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