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SHOW CRÍTICA
Burocracia trava "Gal canta Tom Jobim"
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
O cenário é de sonho: o mais belo dos repertórios, a mais bela das
vozes, a mais técnica das cantoras.
Mas, a julgar por sua estréia -e
tudo que aqui vier escrito é revogável, pois se trata tão somente da
estréia-, nem todas as qualidades do mundo liberam "Gal Canta Tom Jobim" da burocracia.
É premente uma reflexão sobre
Gal, pois é fenômeno que já vem
de alguns anos. Ela tem se tornado cada vez menos hábil em interagir -por mero olhar que seja- com seu público, em pactuar
emoções, em exprimir vontade de
cantar. Atira-se a uma frigideira,
ao óleo fervente da técnica pura.
A opção por Tom Jobim concorre, neste momento, para tal
efeito. Reagrupar "Desafinado",
"Chega de Saudade", "Garota de
Ipanema" e "A Felicidade" é reiteração da reiteração do que já está
mais que reiterado.
É aí -dialética- que se vê que
Gal é, ainda assim, prodigiosa.
Consegue fazer justamente de
"Garota de Ipanema", a mais surrada das canções brasileiras, um
dos momentos inflados do show.
Faz-se Gal cantando Gal, modulando versão coquete, rapidinha,
respeitável porque menos reverente a João Gilberto que à versão
de Astrud Gilberto (Gal, bilíngue,
quer os "States", é claro), uma
cantora se reportando a outra.
Daí surge a camada compacta
de canções de brio técnico -sem
emoção, ainda elas-, quando se
tem oportunidade de contemplar
duelos estéticos entre Gal e intérpretes anteriores que marcaram
cada canção -ou seja, além da
eterna e insistente adoração por
são João Gilberto.
Duelos de titãs acontecem nos
confrontos entre Gal e Maysa
("Bonita", único momento possível em que Gracinha, a primeira
Gal, só ela e o violão no início, talvez visite o reino da técnica pura),
Gal e Dolores Duran ("Por Causa
de Você", sensacional), Gal e Elizeth Cardoso (talvez a grande intérprete de Tom, até hoje, que Gal
enfrenta com bravura em "Janelas Abertas", "Derradeira Primavera", "Se Todos Fossem Iguais a
Você"), o ménage virtual Gal/ Lúcio Alves/Tito Madi (em "Lígia",
um brinquedo de pelúcia em sua
garganta), Gal e Elis Regina
("Chovendo na Roseira", outro
ponto alto).
Irônico é que Gal, eterna vencedora, acabe perdendo hoje o duelo com Elis. "Estrada do Sol" (de
Tom e Dolores, que ela própria já
gravou, com mais garra, em 79)
sucumbe à versão nervosa de Elis,
de 71, e "Frevo", que encerra o
show, transforma uma bela e esquecida canção de Tom e Vinicius
(que Elis gravara em 70) em sub-"Festa do Interior".
Esgares de beleza sem emoção
povoam o show para além daí,
mas o império da burocracia os
inviabiliza. Nada há de menos inventivo que os arranjos bossa-jazz criados por Cristóvão Bastos,
que fustigam a voz de Gal mesmo
nos melhores momentos, com
ápices como a latinidade fuleira
imprimida a "Anos Dourados" e
os solos instrumentais que quebram a concisão original de "Chega de Saudade", "Desafinado",
"Wave", "A Felicidade"...
Detalhes constrangedores que
não serão transferidos ao CD são
o vestido saco de batatas da cantora (por quê?, sempre por quê?) e
a direção "teatral" -iluminação
e cenografia são precárias, não
parece haver marcação de cena
para Gal, cada vez menos à vontade no palco; José Possi Neto, que
já fez o mesmo pela própria irmã,
Zizi, parece ter dirigido o show
numa noite, investido de completo desleixo. Vira questão só de
griffe, ouro de tolo.
Problema é que o piloto automático vai se estender à própria
cantora, e assim ela vem procedendo há não poucos anos. Como
nada é irrevogável, Gal tem o largo tempo de uma temporada
-quem sabe aquele que separa
uma artista de uma burocrata do
comércio- para perseguir o prejuízo. Está tudo ali dentro.
Avaliação:
Show: Gal Costa Canta Tom Jobim
Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213,
Moema, tel. 0/xx/11/5051-4900)
Quando: qui., às 21h30, sex. e sáb., às
22h, e dom., às 20h; até dia 19
Quanto: de R$ 25 a R$ 60
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