São Paulo, Sábado, 04 de Setembro de 1999
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LIVRO LANÇAMENTOS
Porta-voz Lamazière dá voz a "Bala Perdida"

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília


O diplomata Georges Lamazière, compenetrado porta-voz do Palácio do Planalto, tem um lado artístico insuspeito para quem o conhece de longe: escreve romances policiais nos fins-de-semana.
O segundo está nas livrarias: "Bala Perdida", história de um intelectual carioca que acorda certa manhã com a camisa manchada de sangue, descobre uma arma entre suas roupas no chão e não consegue se lembrar de nada que lhe acontecera na véspera após algumas doses de uísque.
Em entrevista à Folha, Lamazière, 46, formado em direito, com mestrado em filosofia e ciência política, relatou como se processou sua chegada à ficção policial.
"É um ciclo que se completa. Sempre gostei de ler ficção e poesia, o que me levou à crítica literária, aos estudos sociológicos, psicanalíticos e filosóficos. Agora, estou de volta à literatura." Mas em outra condição, na de autor.
Por que o gênero policial? Quatro motivos: gosto pelos filmes e romances desse tipo, o exemplo de autores que lhe vêm dando "foro de nobreza" (Rubem Fonseca, Umberto Eco, Manuel Vasques, Arturo Perez Reverte), a constatação de que só por meio dele poderia situar a ação num ambiente urbano contemporâneo como desejava e a suspeita de que o policial consegue capturar a atenção do leitor apesar da acirrada disputa midiática por ela.
Os resultados parecem bons. "Um Crime Quase Perfeito", o livro de estréia, vendeu duas edições e recebeu boas críticas. "Bala Perdida" parece ter destino similar, com vendas talvez alavancadas pela atual notoriedade do autor.
Lamazière não usa suas funções públicas para promover as literárias. Mandou os originais do primeiro romance para a Nova Fronteira usando um pseudônimo (Tomás da Motta), quando era conselheiro da Embaixada do Brasil na Cidade do México (três meses depois, sua secretária lhe perguntava se ele conhecia algum Motta porque uma editora o estava procurando no endereço de sua casa). Agora, recusou-se a realizar noite de autógrafos para "Bala Perdida" por achar que ela poderia se converter em ato mais político (e "puxa-saquístico") que literário.
O presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu uma cópia de "Bala Perdida". Mas, segundo seu porta-voz, ainda não manifestou nenhuma opinião. "Ele é um homem muito ocupado", diz.
Lamazière responde à crítica de que o enredo de seu romance é frágil, dizendo que não teve a intenção de realizar um livro realista ou fiel ao modelo do gênero.
Foi o filme "O Passageiro", de Antonioni, afirma, que lhe deu a idéia de "fazer uma obra de arte usando o modelo policial de maneira um pouco frouxa".
"Estou consciente de que as amarrações realistas (do livro) são um pouco frouxas também. Meu contato com a realidade policial é via filmes e literatura."
Lamazière nunca fez pesquisa para saber como funciona a polícia, quais são os métodos usados por detetives e investigadores.
As situações que servem de ponto de partida para seus romances são clássicas da ficção policial: no primeiro, existe um corpo, mas falta o assassino; no segundo, há um suspeito, mas falta o corpo.
Em ambos, Lamazière se vale do recurso da metalinguagem: "A cada momento, enquanto vou escrevendo o livro, acho que ele está ruim; vou vendo seus defeitos. Resolvi colocar os meus dois lados no trabalho: o crítico e o acrítico".
Mas ele acredita que o recurso talvez esteja se esgotando e pode desistir dele no terceiro livro.
Ao contrário de outros autores, Lamazière diz que não mostra seu trabalho até estar pronto. "Não discuto minhas idéias com os outros porque acho que esse é um trabalho absolutamente individual, diferente do acadêmico ou do diplomático, a que sempre estive acostumado."

"Pura ficção"
O domínio sobre a linguagem ficcional foi obtido de modo "progressivo", diz ele. Primeiro, tentou contos, fez vários inícios de romances, todos insatisfatórios.
Depois, deu início, há sete anos, a "Bala Perdida". Mas parou no meio e começou "Um Crime Quase Perfeito", que concluiu em três anos. Levou outros três para acabar o romance agora lançado.
Embora ele tenha sido professor de teoria da comunicação no Rio, como o narrador de "Bala Perdida", Lamazière diz que o personagem principal do romance, Chico Motta, não é autobiográfico.
"Se eu tivesse me mantido professor universitário, talvez tivesse me tornado o Chico Motta. Como minha vida mudou de rumo, ele é pura ficção", diz.
Embora reconheça que ter se tornado um personagem famoso da vida política do país lhe dá (e a seus livros) mais visibilidade, Lamazière afirma não saber se isso ajuda ou atrapalha sua vida de autor.
Algumas pessoas, ele crê, poderão ser menos sinceras na avaliação que fazem de seu trabalho artístico. Outras poderão se sentir inibidas para elogiá-lo mesmo que gostem. De qualquer maneira, são as novas circunstâncias da vida do romancista (por enquanto) amador e de fins-de-semana.


Livro: Bala Perdida
Autor: Georges Lamazière
Lançamento: Nova Fronteira
Quanto: R$ 19 (214 págs.)


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