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LIVRO LANÇAMENTOS
Porta-voz Lamazière dá voz a "Bala Perdida"
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
O diplomata
Georges Lamazière,
compenetrado porta-voz do Palácio
do Planalto, tem
um lado artístico
insuspeito para quem o conhece
de longe: escreve romances policiais nos fins-de-semana.
O segundo está nas livrarias:
"Bala Perdida", história de um intelectual carioca que acorda certa
manhã com a camisa manchada
de sangue, descobre uma arma
entre suas roupas no chão e não
consegue se lembrar de nada que
lhe acontecera na véspera após algumas doses de uísque.
Em entrevista à Folha, Lamazière, 46, formado em direito, com
mestrado em filosofia e ciência
política, relatou como se processou sua chegada à ficção policial.
"É um ciclo que se completa.
Sempre gostei de ler ficção e poesia, o que me levou à crítica literária, aos estudos sociológicos, psicanalíticos e filosóficos. Agora, estou de volta à literatura." Mas em
outra condição, na de autor.
Por que o gênero policial? Quatro motivos: gosto pelos filmes e
romances desse tipo, o exemplo
de autores que lhe vêm dando
"foro de nobreza" (Rubem Fonseca, Umberto Eco, Manuel Vasques, Arturo Perez Reverte), a
constatação de que só por meio
dele poderia situar a ação num
ambiente urbano contemporâneo como desejava e a suspeita de
que o policial consegue capturar a
atenção do leitor apesar da acirrada disputa midiática por ela.
Os resultados parecem bons.
"Um Crime Quase Perfeito", o livro de estréia, vendeu duas edições e recebeu boas críticas. "Bala
Perdida" parece ter destino similar, com vendas talvez alavancadas pela atual notoriedade do autor.
Lamazière não usa suas funções
públicas para promover as literárias. Mandou os originais do primeiro romance para a Nova
Fronteira usando um pseudônimo (Tomás da Motta), quando
era conselheiro da Embaixada do
Brasil na Cidade do México (três
meses depois, sua secretária lhe
perguntava se ele conhecia algum
Motta porque uma editora o estava procurando no endereço de
sua casa). Agora, recusou-se a
realizar noite de autógrafos para
"Bala Perdida" por achar que ela
poderia se converter em ato mais
político (e "puxa-saquístico") que
literário.
O presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu uma cópia
de "Bala Perdida". Mas, segundo
seu porta-voz, ainda não manifestou nenhuma opinião. "Ele é um
homem muito ocupado", diz.
Lamazière responde à crítica de
que o enredo de seu romance é
frágil, dizendo que não teve a intenção de realizar um livro realista ou fiel ao modelo do gênero.
Foi o filme "O Passageiro", de
Antonioni, afirma, que lhe deu a
idéia de "fazer uma obra de arte
usando o modelo policial de maneira um pouco frouxa".
"Estou consciente de que as
amarrações realistas (do livro)
são um pouco frouxas também.
Meu contato com a realidade policial é via filmes e literatura."
Lamazière nunca fez pesquisa
para saber como funciona a polícia, quais são os métodos usados
por detetives e investigadores.
As situações que servem de
ponto de partida para seus romances são clássicas da ficção policial: no primeiro, existe um corpo, mas falta o assassino; no segundo, há um suspeito, mas falta
o corpo.
Em ambos, Lamazière se vale
do recurso da metalinguagem: "A
cada momento, enquanto vou escrevendo o livro, acho que ele está
ruim; vou vendo seus defeitos.
Resolvi colocar os meus dois lados no trabalho: o crítico e o acrítico".
Mas ele acredita que o recurso
talvez esteja se esgotando e pode
desistir dele no terceiro livro.
Ao contrário de outros autores,
Lamazière diz que não mostra seu
trabalho até estar pronto. "Não
discuto minhas idéias com os outros porque acho que esse é um
trabalho absolutamente individual, diferente do acadêmico ou
do diplomático, a que sempre estive acostumado."
"Pura ficção"
O domínio sobre a linguagem
ficcional foi obtido de modo
"progressivo", diz ele. Primeiro,
tentou contos, fez vários inícios
de romances, todos insatisfatórios.
Depois, deu início, há sete anos,
a "Bala Perdida". Mas parou no
meio e começou "Um Crime
Quase Perfeito", que concluiu em
três anos. Levou outros três para
acabar o romance agora lançado.
Embora ele tenha sido professor
de teoria da comunicação no Rio,
como o narrador de "Bala Perdida", Lamazière diz que o personagem principal do romance, Chico
Motta, não é autobiográfico.
"Se eu tivesse me mantido professor universitário, talvez tivesse
me tornado o Chico Motta. Como
minha vida mudou de rumo, ele é
pura ficção", diz.
Embora reconheça que ter se
tornado um personagem famoso
da vida política do país lhe dá (e a
seus livros) mais visibilidade, Lamazière afirma não saber se isso
ajuda ou atrapalha sua vida de autor.
Algumas pessoas, ele crê, poderão ser menos sinceras na avaliação que fazem de seu trabalho artístico. Outras poderão se sentir
inibidas para elogiá-lo mesmo
que gostem. De qualquer maneira, são as novas circunstâncias da
vida do romancista (por enquanto) amador e de fins-de-semana.
Livro: Bala Perdida
Autor: Georges Lamazière
Lançamento: Nova Fronteira
Quanto: R$ 19 (214 págs.)
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