São Paulo, Sábado, 04 de Setembro de 1999
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RESENHA
Trama fica aquém do que sugere

da Sucursal de Brasília

A literatura policial está "salvando a ordem em uma época de desordem", dizia Jorge Luís Borges no início dos anos 80, em defesa do gênero de que mais gostava.
Ao mesmo tempo, Borges lamentava a sua degradação por ter se tornado excessivamente "realista, violento, constituindo, inclusive, um gênero que mostra violências sexuais".
Georges Lamazière não está entre os que, para Borges, esqueceram a origem intelectual do policial. Ao contrário, "Bala Perdida" é um esforço deliberado de devolver ao gênero o refinamento que seus criadores (Poe, Stevenson, Chesterton e outros) lhe haviam dado.
Ele usa dois instrumentos para sofisticar o romance: a estrutura metalinguística com que a história é narrada e os comentários sociológico-político-filosófico-existenciais feitos por personagens.
Os dois recursos funcionam, em especial o primeiro. Ao relato do narrador se interpõem trechos da carta com que uma editora recusara os originais da novela policial que ele lhe havia enviado. As críticas do consultor da editora se referem aos fatos do romance, os mesmos que estão acontecendo na vida real do narrador, um professor universitário, quarentão, solteiro, enfadado.
Com os comentários dos personagens, escritos em estilo jornalístico elegante, contido, discreto, Lamazière consegue quase sempre fugir da armadilha dos lugares-comuns em que frequentemente caem os que tentam, neste final de século, imitar quem se valeu tão bem desse método no seu início (Proust, Musil, Mann).
Excede-se um pouco nas citações de outros autores, muitas, inclusive, com notas bibliográficas de rodapé (não é possível distinguir o critério seguido para determinar quais merecem notas e quais não). Elas dão ao livro aspecto desnecessário de trabalho acadêmico.
Mas o maior problema de "Bala Perdida" é o enredo. Muitas passagens são inverossímeis (não por serem irreais ou fantásticas, mas por não se adequarem ao padrão de coerência interna que o próprio texto estabelece). A idéia da trama é atraente, mas ela não se desenreda com o interesse que sugere.
A solução do mistério soa arbitrária; o leitor não tem indícios anteriores que o conduzam até ela (a não ser um anagrama, revelado ao final, mas cifrado demais).
Enredo fraco parece pecado grave para um policial. No entanto, se Borges estava certo ao dizer que quem define o gênero literário é o leitor, não a obra, talvez a lacuna seja do crítico, que não é especialista em policiais. (CELS)


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