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RESENHA
Trama fica aquém do que sugere
da Sucursal de Brasília
A literatura policial está "salvando a ordem em uma época
de desordem", dizia Jorge Luís
Borges no início dos anos 80,
em defesa do gênero de que
mais gostava.
Ao mesmo tempo, Borges lamentava a sua degradação por
ter se tornado excessivamente
"realista, violento, constituindo,
inclusive, um gênero que mostra violências sexuais".
Georges Lamazière não está
entre os que, para Borges, esqueceram a origem intelectual
do policial. Ao contrário, "Bala
Perdida" é um esforço deliberado de devolver ao gênero o refinamento que seus criadores
(Poe, Stevenson, Chesterton e
outros) lhe haviam dado.
Ele usa dois instrumentos para sofisticar o romance: a estrutura metalinguística com que a
história é narrada e os comentários sociológico-político-filosófico-existenciais feitos por personagens.
Os dois recursos funcionam,
em especial o primeiro. Ao relato do narrador se interpõem trechos da carta com que uma editora recusara os originais da novela policial que ele lhe havia enviado. As críticas do consultor
da editora se referem aos fatos
do romance, os mesmos que estão acontecendo na vida real do
narrador, um professor universitário, quarentão, solteiro, enfadado.
Com os comentários dos personagens, escritos em estilo jornalístico elegante, contido, discreto, Lamazière consegue quase sempre fugir da armadilha
dos lugares-comuns em que frequentemente caem os que tentam, neste final de século, imitar
quem se valeu tão bem desse
método no seu início (Proust,
Musil, Mann).
Excede-se um pouco nas citações de outros autores, muitas,
inclusive, com notas bibliográficas de rodapé (não é possível
distinguir o critério seguido para determinar quais merecem
notas e quais não). Elas dão ao
livro aspecto desnecessário de
trabalho acadêmico.
Mas o maior problema de
"Bala Perdida" é o enredo. Muitas passagens são inverossímeis
(não por serem irreais ou fantásticas, mas por não se adequarem ao padrão de coerência interna que o próprio texto estabelece). A idéia da trama é
atraente, mas ela não se desenreda com o interesse que sugere.
A solução do mistério soa arbitrária; o leitor não tem indícios anteriores que o conduzam
até ela (a não ser um anagrama,
revelado ao final, mas cifrado
demais).
Enredo fraco parece pecado
grave para um policial. No entanto, se Borges estava certo ao
dizer que quem define o gênero
literário é o leitor, não a obra,
talvez a lacuna seja do crítico,
que não é especialista em policiais.
(CELS)
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