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A RESENHA DA SEMANA
O nome do inominável
BERNARDO CARVALHO
Colunista da Folha
Os personagens de Howard
Phillips Lovecraft (1890-1937)
estão sempre atrás do desconhecido. Seguem os passos do
autor, que se tornou célebre
por seus contos fantásticos publicados em revistas populares
do gênero, como a "Weird Tales".
Lovecraft nasceu e morreu
em Providence, capital do estado de Rhode Island, uma cidade muito pouco fantástica da
Nova Inglaterra, apesar das antigas lendas de bruxaria da região. E passou a vida buscando
na imaginação e na literatura
uma porta que o livrasse do
prosaismo das três dimensões
em que vivia e servisse de entrada para uma outra cuja verdade, contrastante com a realidade banal à sua volta, fosse tão
insuportável e avassaladora
que não pudesse ser dita.
A chave dessa porta é o medo. Num ensaio sobre o sobrenatural e o horror, Lovecraft fala de uma "literatura de medo
cósmico" em oposição ao simples medo físico: "A emoção
mais antiga e forte sentida pelo
homem é o medo. E sua forma
mais poderosa é o medo do
Desconhecido".
Segundo o autor, é o medo
que permite escapar à esfera da
razão, da consciência e da identidade, numa fusão com o desconhecido, e a idealização de
um magma primordial em que
as coisas não se diferenciam
mais umas das outras, onde
não há mais fronteiras entre o
subjetivo e o objetivo ou entre
as supostas identidades dos indivíduos.
O sobrenatural aqui é o lugar
onde não pode haver mais
identidade ou razão. E o medo
é a ponte que restou de uma comunicação cósmica, o último
vestígio de um contato com o
desconhecido. Não é de estranhar que esses personagens,
assolados pelo medo, estejam
sempre no limiar da loucura, e
que suas experiências possam
muitas vezes prefigurar viagens alucinógenas.
Em muitos dos seus contos,
no entanto, essa queda por
uma "literatura de medo cósmico" pode acabar reduzindo
Lovecraft, numa primeira vista, a uma espécie de simbolista
ou gótico retardado, fora do
tempo e do lugar, um escritor
antiquado cuja linguagem rebuscada não faz mais do que
repetir um punhado de clichês
quase cômicos sobre monstros
inomináveis, seres fantásticos e
almas penadas.
Não é o que acontece com
"Nas Montanhas da Loucura"
(1931), um dos pontos altos de
sua obra, um desses raros momentos em que tudo o que podia ser visto como defeito de
repente se encaixa com perfeição e faz sentido, explicitando
uma originalidade autoral inusitada.
Provavelmente por afinidade
temática, a Iluminuras decidiu
reunir no mesmo volume,
além do conto que dá título à
coletânea, três outros -"A Casa Temida", "Os Sonhos na Casa Assombrada" e "O Depoimento de Randolph Carter".
Em todos eles, os personagens
se perdem em "terríveis pesquisas sobre o desconhecido" à
procura de "alguma coisa inominável" que não podem descrever.
Está aí a essência da prosa de
Lovecraft. Todo o jogo metafísico dessa literatura consiste
em dizer que não é possível dizer, porque é horrível demais.
Imaginar o inimaginável,
conceber o inconcebível, dizer
o indizível. Diante desse paradoxo implícito em toda literatura fantástica, mas que Lovecraft expõe com uma insistência que lhe é peculiar, só resta
uma metáfora precária como
possibilidade de representação
do irrepresentável. Daí os clichês, que não passam de uma
forma de mostrar que o indizível tantas vezes anunciado não
pode ser dito: "Dar-lhe um nome a este estágio era mera loucura".
O paradoxo já está na própria
atração pelo desconhecido, que
leva, uma vez consumada, invariavelmente à morte. Os contos de Lovecraft são a manifestação desesperada dessa impossibilidade. Já que não podem dizer o inominável, gritam essa impossibilidade por
meio dos clichês da literatura
de horror e seus monstros inconcebíveis.
Para dar a idéia do indizível
sem precisar dizê-lo, Lovecraft
faz um relato às vezes longo,
alimentando sem cessar uma
expectativa que acaba dissolvida -ao contrário de Poe, por
exemplo, que o autor cita e admira- na decepção dos clichês.
A busca do desconhecido, seja numa expedição científica ao
Pólo Sul, seja na investigação
febril de uma casa mal-assombrada da Nova Inglaterra, leva
à destruição. Uma destruição
anunciada por um narrador-sobrevivente, que repete que
vai contar sem poder no fundo
contar, tamanho é o horror do
que viu.
O paradoxo desses contos é
que só pode haver representação do desconhecido se ele permanecer desconhecido. Logo
não pode haver representação.
O medo produzido pela literatura fantástica torna-se a sua
metáfora. Ele é o único sentimento que ainda pode nos dar
uma vaga idéia do irrepresentável.
Avaliação:
Livro: Nas Montanhas da Loucura
Autor: H.P. Lovecraft
Tradução: Celso M. Paciornik
Lançamento: Iluminuras
Quanto: R$ 24 (217 págs.)
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