São Paulo, Sábado, 04 de Setembro de 1999
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MÚSICA ERUDITA
"Orquestra nunca será BMW com verba de Uno Mille", afirma seu diretor musical, John Neschling
Osesp negocia contrato inédito com BMG

JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local


John Neschling, diretor musical da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), revela estar sendo negociado um contrato de gravação com a BMG, algo inédito para um conjunto sinfônico brasileiro.
Ele diz ainda desejar "contaminar" as demais orquestras do país para que elas elevem seu padrão técnico e com isso também permitam a oferta de músicos cada vez mais qualificados.
Eis sua entrevista à Folha.

Folha - Com a Sala São Paulo, uma parte do público enfrentou dificuldades para obter ingressos. Como isso será resolvido?
John Neschling -
O problema é de administração da bilheteria. No primeiro mês de funcionamento, a bilheteria esteve nas mãos da Secretaria da Cultura. A orquestra não teve nenhum controle, e uma parte do público "habitué" sofreu com essa circunstância. Foram distribuídos convites que, em tese, lotariam a sala. Mas, no momento do concerto, muitas das poltronas estavam vazias. São problemas decorrentes da inauguração e da curiosidade que a sala despertou. Acredito que agora tudo esteja resolvido.

Folha - A orquestra terá uma turnê em setembro. O que significa se "expor" fora de SP?
Neschling -
A Osesp deveria se exibir em várias capitais. Mas, por questões de agenda e de transporte, nos apresentaremos apenas no Rio e em Curitiba. Uma turnê nacional seria importante, paradigmática, para contagiar orquestras de outros Estados e municípios. Não quero ser exceção, quero ser um parâmetro. Se não houver mercado, não haverá músicos nem para nós. É uma dificuldade que já estamos encontrando nas audições de recrutamento.

Folha - O que deve ser feito para aumentar ainda mais o padrão de qualidade sinfônica que o conjunto atingiu?
Neschling -
É preciso obrigá-la a concorrer com o que há de mais sofisticado na música sinfônica. Expô-la à crítica internacional, pagar aos músicos um salário relativamente igual ao pago nas grandes orquestras do mundo, para poder atrair grandes personalidades. Precisamos ter uma temporada de nível elevadíssimo, grandes regentes e solistas convidados, que exijam o máximo dos músicos e não achem que "pro Brasil tá bom assim mesmo...".

Folha - Qual a relação entre o aperfeiçoamento da sonoridade e a transformação da orquestra em organização social?
Neschling -
Nunca o Estado teve a vocação de manter dentro de suas instituições um conjunto sinfônico dessa natureza e qualidade. Manter esse projeto vivo e funcionando dentro de padrões internacionais é completamente impossível nas malhas da burocracia. Chegou a hora de decidir: ou a gente funciona como qualquer outra orquestra sinfônica desse nível, dentro de uma estrutura própria, ágil e independente, ou estamos condenados inexoravelmente à mediocridade.

Folha - Em que pé estão os planos da transformação da orquestra numa OS?
Neschling -
Os planos da OS estão adiantados e atrasados. Todo mundo sabe o que tem de ser feito e a gente não faz muito, provavelmente com medo das dificuldades no caminho.

Folha - É possível conciliar redução de despesas (a Secretaria da Cultura é vítima dos mesmos cortes que atingem todo o governo do Estado) e um novo salto qualitativo?
Neschling -
O projeto tem de sair da administração direta para poder receber doações e subsídios privados. Uma orquestra do nível da Osesp tem um custo, e dele não se pode fugir.

Folha - O sr. poderia ser mais explícito?
Neschling -
As filarmônicas de Nova York e de Berlim têm ambas um orçamento de quase US$ 80 milhões anuais. Uma orquestra média européia ou americana custa de US$ 20 milhões a US$ 25 milhões. Nós tivemos este ano US$ 6 milhões e fizemos uma temporada singular. Nos próximos anos precisamos nos aproximar mais dos custos internacionais. Não dá para ter um BMW com verba de Uno Mille.


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