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MÚSICA ERUDITA
"Orquestra nunca será BMW com verba de Uno Mille", afirma seu diretor musical, John Neschling
Osesp negocia contrato inédito com BMG
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
John Neschling, diretor musical
da Osesp (Orquestra Sinfônica do
Estado de São Paulo), revela estar
sendo negociado um contrato de
gravação com a BMG, algo inédito para um conjunto sinfônico
brasileiro.
Ele diz ainda desejar "contaminar" as demais orquestras do país
para que elas elevem seu padrão
técnico e com isso também permitam a oferta de músicos cada
vez mais qualificados.
Eis sua entrevista à Folha.
Folha - Com a Sala São Paulo,
uma parte do público enfrentou
dificuldades para obter ingressos. Como isso será resolvido?
John Neschling - O problema é
de administração da bilheteria.
No primeiro mês de funcionamento, a bilheteria esteve nas
mãos da Secretaria da Cultura. A
orquestra não teve nenhum controle, e uma parte do público "habitué" sofreu com essa circunstância. Foram distribuídos convites que, em tese, lotariam a sala.
Mas, no momento do concerto,
muitas das poltronas estavam vazias. São problemas decorrentes
da inauguração e da curiosidade
que a sala despertou. Acredito
que agora tudo esteja resolvido.
Folha - A orquestra terá uma
turnê em setembro. O que significa se "expor" fora de SP?
Neschling - A Osesp deveria se
exibir em várias capitais. Mas, por
questões de agenda e de transporte, nos apresentaremos apenas no
Rio e em Curitiba. Uma turnê nacional seria importante, paradigmática, para contagiar orquestras
de outros Estados e municípios.
Não quero ser exceção, quero ser
um parâmetro. Se não houver
mercado, não haverá músicos
nem para nós. É uma dificuldade
que já estamos encontrando nas
audições de recrutamento.
Folha - O que deve ser feito
para aumentar ainda mais o padrão de qualidade sinfônica que
o conjunto atingiu?
Neschling - É preciso obrigá-la
a concorrer com o que há de mais
sofisticado na música sinfônica.
Expô-la à crítica internacional,
pagar aos músicos um salário relativamente igual ao pago nas
grandes orquestras do mundo,
para poder atrair grandes personalidades. Precisamos ter uma
temporada de nível elevadíssimo,
grandes regentes e solistas convidados, que exijam o máximo dos
músicos e não achem que "pro
Brasil tá bom assim mesmo...".
Folha - Qual a relação entre o
aperfeiçoamento da sonoridade
e a transformação da orquestra
em organização social?
Neschling - Nunca o Estado teve a vocação de manter dentro de
suas instituições um conjunto
sinfônico dessa natureza e qualidade. Manter esse projeto vivo e
funcionando dentro de padrões
internacionais é completamente
impossível nas malhas da burocracia. Chegou a hora de decidir:
ou a gente funciona como qualquer outra orquestra sinfônica
desse nível, dentro de uma estrutura própria, ágil e independente,
ou estamos condenados inexoravelmente à mediocridade.
Folha - Em que pé estão os
planos da transformação da orquestra numa OS?
Neschling - Os planos da OS estão adiantados e atrasados. Todo
mundo sabe o que tem de ser feito
e a gente não faz muito, provavelmente com medo das dificuldades no caminho.
Folha - É possível conciliar redução de despesas (a Secretaria
da Cultura é vítima dos mesmos
cortes que atingem todo o governo do Estado) e um novo salto qualitativo?
Neschling - O projeto tem de
sair da administração direta para
poder receber doações e subsídios
privados. Uma orquestra do nível
da Osesp tem um custo, e dele não
se pode fugir.
Folha - O sr. poderia ser mais
explícito?
Neschling - As filarmônicas de
Nova York e de Berlim têm ambas
um orçamento de quase US$ 80
milhões anuais. Uma orquestra
média européia ou americana
custa de US$ 20 milhões a US$ 25
milhões. Nós tivemos este ano
US$ 6 milhões e fizemos uma
temporada singular. Nos próximos anos precisamos nos aproximar mais dos custos internacionais. Não dá para ter um BMW
com verba de Uno Mille.
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